26 de set. de 2012

Meio mortos.. meio vivos...


Sirius logo reconheceu o reino dos mortos. Ele experimentava um sensação rara.. morrer pela segunda vez. Por isso mesmo, dessa vez não se viu aturdido como é comum a todos que chegam às Planícies Cinzentas pela primeira vez. Olhando em volta, ele não viu o cortejo sem fim de almas a suplicar por seus deuses como quando fora desintegrado pela primeira vez. Dessa vez um tsunami de caos varria aquela imensidão. Demônios pilhavam as almas indefesas como lobos em um galinheiro. Os seres infernais deliciavam-se numa espécie de orgia gastronomia sádica em que nada parecia o suficiente.
Além desse contexto, Sirius Black viu as almas ainda autistas de Francisco e Samwise. Ele agitou os dois e os despertou. Explicou onde estavam e mostrou o risco que corriam. Viram que ainda haviam almas que se entregavam a clamar por seus deuses e partiam envoltas por luz. O mago da Fortaleza da Vela não viu outra solução que não clamar pelo Senhor de todo conhecimento, Oghma. O pequenino arqueiro optou por rezar para Yondalla, senhora dos hobbits, muito embora não fosse lá muito apegado a essas coisas. Sirius pensou em Selune e imaginou que não teria sucesso em orar para ela.
Em seguida, ele suspirou vendo que um dos demônios voadores atentou para eles. Um dos grandes. Vermelho, escamoso e com cara de mau. Buscou suas adagas. Lembrou que estava morto. O demônio se aproximava rápido. Não tinha para onde correr. Lembrou-se novamente da Senhora da Lua. Viu as garras grandes como adagas do demônio rasgarem o ar na direção deles. Uma luz surgiu entre eles e o predador alado. A luz expandiu-se como um enorme pergaminho, protegendo-os do contato e repelindo a ameaça.
- Estas almas são minhas, pequeno deus. - rosnou o demônio.
- Pelo pacto que conjuga a existência e as leis primordiais está aqui um de meus devotos e sua alma tem o direito ao repouso eterno em meu reino. Ouse tocá-lo e não haverá inferno grande o suficiente em que eu não possa encontrá-lo, diabrete! - soou a voz musical e eloquente de Oghma, ao mesmo tempo que as palavras se desenhavam no tecido do pergaminho.
- Olhe a sua volta, contador de histórias.. lhe parece que as regras de antigamente tem algum valor? Os tempos estão mudando.. não vamos mais jogar esse jogo segundo as suas regras.. guerras ancestrais estão entrando no centro da espiral. Essa colheita é o movimento que antecede o gozo de nossa ascensão.
- As coisas não se dão simplesmente porque lordes demôniacos assim desejam. Os pontos, as linhas e os círculos independem dos seus joguetes.
- Apenas uma das almas lhe pertence! As outras são minhas, pois o seu poder não as alcança... - e o demônio avançou, furioso que estava, passando por sobre o pergaminho.
- Não é verdade, meu senhor, que tudo sabe. Sirius converteu-se a sua fé.. ele crê que o conhecimento é o caminho, não é mesmo Sirius? E o pequeno Samwise pode ser convertido...
- Bem.. é que.. na verdade.. eu creio em Selune... - o demônio gargalhou de satisfação, após as palavras vacilantes de Sirius.
- Os dois são meus! E não há nada que possam fazer a respeito.. - ele esticou os braços e agarrou Samwise sem dificuldade. Antes que alcançasse Sirius, no entanto, Francisco Xavier se interpôs, impedindo-o. pois o demônio era incapaz de tocá-lo. Sirius Black aproveitou para tentar agarrar Samwise, mas suas mãos atravessaram os pés do pequenino, como se fosse fumaça. Sem nada entender ele recuou, mas foi o necromante branco que falou:
- Pois eu me sacrifico para que esse homem cujo destino é seguir em frente não seja levado - bradou Xavier convicto. - Ó Oghma, senhor de todos os saberes e estudos, pelos mesmos códices atemporais que estruturam a colmeia da existência, eu clamo que aceite o abnegado sacrifício de teu servo em nome da salvação desse homem redimido. - E dito isso, alma de Francisco Xavier, o necromante branco da Fortaleza da Vela explodiu em luz...


Daphne viu-se uma cobaia durante meses. Embora tivesse dificuldade de medir a passagem do tempo, trancada e agrilhoada na torre, a experiente druida conseguia ter alguma noção com seus vastos conhecimentos da natureza. Ela pôde assistir às visitas que o arquimago lich recebia de outros magos vermelhos de Thay. Ela nada entendia, mas percebia que o morto-vivo só tinha interesse por Leila Diniz. A feiticeira da Fortaleza da Vela fora trancada em outro cômodo do laboratório. Daphne nunca a via.. um dia sentiu o cheiro do sangue dela por um instante.. várias vezes escutou seus gritos de dor.
Szaas Tam passava dias ininterruptos com a feiticeira, sem atender ninguém. Sem precisar descansar, comer ou se distrair, a vil curiosidade dele parecia não ter limites. As únicas vezes em que ele deixava Leila de lado era quando resolvia prestar atenção na druida da Grande Floresta. Ele também dedicava-se por 2 ou 3 dias a experimentos sinistros e necromânticos. A intensidade das magias lançadas por ele era incomensurável para Daphne. Elas moldavam suas carne e ossos, manipulando sua habilidade de se transformar e ceifando-lhe a vida, de certa forma.
Nas primeiras vezes, Daphne transformou-se em um zumbi. A cada sessão de tortura mágica, física e espiritual, ela ia sendo moldada em uma nova forma.. carniças.. esqueletos. Quanto mais o processo avançava, mais os poderes celestiais e a luz que envolviam a druida iam dando lugar a um vazio inóspito. Até mesmo a saudade de David, foi desaparecendo, esvanecendo. O laço de amor com a vida foi morrendo e ela foi se tornando uma sombra do que era. Embora seu coração nunca desistisse, uma razão fria a tornava inerte.
Foi numa noite como outras, em que os gritos de Leila "a cobaia principal" Diniz ecoavam pela torre em uníssono com os trovões do lado de fora, que o tormento se concretizou. Daphne viu Szaas Tam surgir envolto pelo mesmo brilho prateado cintilante que ela já vira recobrir o corpo da feiticeira. O arquimago da necromancia de Thay parecia extasiado com tamanho poder, que percorria seu corpo. Ele deitou a atenção sobre a mulher acorrentada diante dele e começou a clamar pelas forças nefastas sob seu comando. Aquelas forças sinistras assaltaram o corpo da serva da natureza de maneira avassaladora, varrendo-lhe os últimos vestígios de pureza. Ela transformou-se uma vez mais em uma morta-viva e percebeu que aquila condição agora fazia parte dela.
- Em breve, eu terminarei de expurgar sua índole e essa perversa humanidade que insiste em limitar seu potencial. Não tardará que esteja talhada para me servir,,,


Durante um dia inteiro, o guardião Rafael guiou Palas Atenas, Ryolith Fox, John Falkiner e Leopoldo dos Távios pelo interior da floresta de Cormanthor. A viagem foi rápida e tranquila pela estrada e nada dava sinais de que pudesse haver algum problema. O servo de Kelemvor aproveitou para criar um símbolo mágico sagrado que o auxiliaria a expurgar mortos-vivos.
No segundo dia, no entanto, não tardaram a avistar o problemas. Antes de deixar a proteção das árvores, já puderam avistar as numerosas tropas que perambulavam e perturbavam viajantes e camponeses. Um desses grupo vinha em direção contrária, outros invadiam propriedades e confiscavam bens, enquanto mais próximos, mercadores tinham suas carroças detidas e reviradas.
Percebendo estarem em desvantagem, optaram por retroceder e tomar um caminho pelas trilhas do interior da floresta, Rafael lhes alertou que se aproximariam das terríveis ruínas de Myth Drannor, um perigo repleto de demônios, mortos vivos e phaerimms. Acreditava que poderiam evitar problemas se fossem cautelosos e silenciosos, embora as armaduras completas dos servos dos deuses não ajudassem.
Durante a noite acabaram atacados por um par de demônios cobertos de correntes. Embora a ameaça tenha sido facilmente debelada, perceberam que os monstros haviam sido conjurados. Seguiram os rastros, mas Rafael avisou que estavam próximos demais das perigosas ruínas e preferiram não continuar.
No dia seguinte chegaram a ter um vislumbre distante de Myth Drannor, mas concentraram-se em buscar Forte Zhentil. Naquele ponto, só teriam que cruzar os campos rumo ao norte, por estradas marginais de terra. Entretanto, mesmo ali não tardaram a encontrar um grupo de zentarianos perturbando campesinos. Eram seis ao todo, liderados por uma grande mulher em uma armadura negra. Seus capatazes agrediam uma pobre mulher e seus filhos arrombando a porta e causando terror em seus corações.
Sem se conter mais, o grupo voou na direção deles. John "castigo dos céus" Falkiner atirou um cometa sobre os inimigos, derrubando todos que estavam do lado de fora com exceção da mulher. Palas Atenas e Ryolith Fox caíram sobre ela e esmagaram o mal que representava. Capturaram o soldado que invadira a casa e tentara se esconder sobre uma cama.
A senhora da casa ofereceu acomodação para eles em agradecimento, pois deviam ter sido enviados pelos deuses. Eles acabaram aceitando e descansaram ali para se recuperar. A mulher ofereceu suas filhas em casamento a Falkiner e Fox, mas enquanto o primeiro declinava com educação, o segundo saiu para ter com a paladina de Tyr.


Sirius abriu os olhos tentando se recuperar da cegueira que lhe fora causada pelo brilho súbito. Viu que estava em um lugar belo e bucólico. O céu era azul e um vasto gramado verdejante se estendia à frente. Haviam muitas árvores onde pessoas recostadas liam livros e pergaminhos tranquilamente. Homens e mulheres comiam frutas ou pães e não pareciam desfrutar de outra coisa que não o prazer do conhecimento. Sirius dirigiu-se primeiro para uma mulher que comia uma maçã, mas no caminho achou melhor ter com um homem baixo e rechonchudo, que roía um milho.
- Com licença.. que lugar é este?
- Este é o reino de Oghma, a terra de todo o conhecimento, meu caro. Esse lugar é o berço do saber e a fonte de toda sapiência.
- Reino de Oghma? Bem.. faz sentido.. e onde eu falo com o responsável?
- Você pode encontrá-lo na Casa do Saber, a grande biblioteca que abastece-nos de informações e cultura.
- Como eu faço pra chegar lá?
- Todos os caminhos levam pra lá! - afirmou como se fosse uma obviedade.
Sirius despediu-se e seguiu. Ele sentia-se incrivelmente bem disposto e animado. Pelo caminho, as árvores deram lugar a pequenos casebres, praças e jardins onde pequenos grupos de homem e mulheres praticavam jogos, artes ou encenações de todo o tipo. Todos pareciam se divertir e se entregar com paixão às tarefas.
Mais adiante, Sirius Black avistou grandes anfiteatros, estádios e arenas onde multidões se aglomeravam e assistiam a declamações, debates, colóquios, tragédias, comédias e muito mais. Foi dali que avistou a colossal edificação que parecia realmente o centro de tudo que havia. O prédio era perfeitamente circular e cheio de detalhes. Para lá convergia muita gente, mas ninguém de lá chegava. Sirius avançou mesmo assim.
Diante finalmente de uma das entradas, ele deparou-se com uma quimera entalhada na parede, que dirigiu-se a ele.
- Seja bem vindo, Sirius Black. É um enorme prazer enfim conhecê-lo.
- Você me conhece?
- Estou conhecendo agora, mas espero por você há muito tempo. Será que você pode assinar o seu nome aqui, embaixo de onde lê-se Timothy Hunter.
- Claro, claro.. mas por que eu sou esperado? - perguntou Sirius enquanto assinava simplesmente passando o dedo, mas deixando sua perfeita grafia.
- Você vai cumprir grandes coisas, ora. Mas é melhor entrar logo, pois o chefe está esperando...
Ao entrar, Sirius encontrou Oghma num pequeno e confortável aposento assim que atravessou o portal. Uma lareira trazia calor e aconchego, enquanto uma música envolvente e sedutora tocava. Ele recebeu o ladino de braços abertos, servindo-lhe vinho.
- Seja bem vindo, Sirius, "aquele que voltou duas vezes" Black. Nós temos negócios a tratar...
- Finalmente alguém que fala minha língua. Mas de que negócios exatamente?
- Você está aqui, Francisco Xavier não. Ele se sacrificou pra salvar, se sacrificou porque sabia que você era importante. Eu perdi um de meus seguidores e você está aqui no lugar dele.
- E Samwise?
- A alma dele foi levada e será profanada pelos demônios. Você está aqui, mas não fiará. Eu irei ressuscitá-lo, você retornará ao mundo dos vivos e deve realizar algo para mim.
- Claro.. o que?
- Você irá reencontrar seus aliados e retornará para o oeste?
- O oeste? Mas e o Livro de Mystra?
- Não existe Livro de Mystra?
- Não existe? Mas então Byron, a ordem da Fortaleza da Vela, Symbul.. todos estavam mentindo?
- Se tal livro existisse, eu já o teria lido, você não acha?
- Perdoe-me, tem razão. E onde eu voltarei? Como vou reunir todo mundo.. todas essas horas foram...
- Horas não.. meses...
- Meses?
- Sim, você está aqui a meses. O tempo não é o mesmo em todos os lugares. Você irá retornar ao reino de Thay. Lá, encontrará Úrsula Suarzineguer, cuja mente contará com minha inspiração e auxílio pra escapar. Ela o guiará até Ehtur Telcontar e Rock dos Lobos.
- E quanto a Daphne e Leila?
- Daphne Ankathra e Leila Diniz estão além do meu alcance, pois estão próximas demais de Szaas Tam. Não posso auxilia-los além disso. Quando retornar, estarás além do meu alcance.
- Posso fazer mais uma pergunta?
- O que aconteceu com Selune?
- Selune está morta.


Daphne não sabia quanto tempo se passara até Szaaz Tam retornar. Dessa vez, a magia nefasta dele a assaltou e corroeu como sempre. O brilho prateado e a soberba do poder ainda estavam nítidas nele. Ela procurou não dar mais prazer com o próprio sofrimento e tentava ser o mais indiferente possível a tudo aquilo. A experiência dessa vez, no entanto, foi distinta, pois conforme ela se transformava em morta-viva, seu corpo foi se esvanecendo. Tronando-se sombria e incorpórea, Daphne viu-se transformada em uma aparição, como as que tanta vezes combatera e destruíra. 
Seus grilhões atravessaram-na e caíram não chão. O arquimago lich não pareceu se preocupar com isso e apenas avaliava mais aquele progresso em suas experiências. Porém tal fato permitiu que recuperasse seus atributos mentais e pudesse refletir melhor e com mais clareza. Nesse instante também, célere como um raio, surgiu um lobo espectral atravessando a parede da torre, agarrando a sombra lúgubre que Daphne se tornara e partindo dali antes que qualquer coisa pudesse ser feita.
- David.. - disse Daphne reconhecendo seu lobo e sentindo suas formas etéreas misturarem-se. O que trouxe algum calor àquelas formas frias e não-vivas.
- Minha alma não poderia descansar, enquanto você não estivesse em segurança... - e assim o campanheiro animal salvou sua amada senhora, carregando-a pelos céus de Thay
David e Daphne voaram juntos por longo tempo, enquanto ela foi conseguindo converter-se novamente na forma de mulher, mesmo que continuasse fantasmagórica. Eles pousaram após um vasto lago, nas ruínas de uma vasta cidade, onde encontraram Úrsula, Ehtur, Rock e Sirius. O ladino havia se reunido ao grupo um dia antes, após seguir os rastros de Úrsula Suarzineguer por mais de dois dias. Ele retornara com um estranho brilho celestial e agora era capaz de falar e entender qualquer idioma. David pousou e todos o viram desfazer-se e sumir com o vento, enquanto a própria druida ia se tornando material.
- Agora eu posso partir e descansar em paz.. você está em segurança.. - disse o fiel animal na mente da druida, indo reunir-se à matilha de seus ancestrais nos reinos dos deuses da natureza.
Com a chegada da noite, o grupo partiu para o oeste pois vários espectros começaram a se levantar naquelas estranhas ruínas. Viajaram para o oeste, reunidos mas em frangalhos, pois não sabiam o que mais poderiam fazer...


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