28 de nov. de 2011

Réquiem para os demônios...


A boa vida na vila. Ainda que Rock sempre tivesse sido um estranho no ninho, ele amava aquela vida, que era a única que conhecera. à despeito dos estranhos sonhos e visões, foi entre as crianças daqui que ele cresceu, foi com os velhos daqui que ele aprendeu, foi a comida daqui que o alimentou, foi a pele dos animais dessa região que o vestiu. Ele via aquela boa vida que já não mais o cercava, desde que resolvera descobrir o que inquietava seu eu para além daquele lugar tão simples. Portanto, nosso sonhador logo viu que tratava-se de um sonho. Ou talvez uma premonição, foi o que pensou ao ver os céus escurecerem como se o próprio fim do mundo começasse. As nuvens tornaram-se vermelhas como sangue e o céu derramou demônios. Os seres abissais devoravam carne e caoticamente espalhavam sua sede de sangue.
Rock viu seu pai ferido e posto de joelho. Aquele que era o maior bárbaro da tribo e por isso mesmo, seu líder, posto de joelhos. Diante dele havia um demônio de couro vermelho e duro como um escaravelho enorme. Seus braços terminavam em pinças como as de um carangueijo, mas de seu peito irrompia um outro par de braços menores que terminavam em mãos.
- Onde está a criança sonhadora? (a pinça tencionava a pele do pescoço como uma tesoura prestes a romper o papel. Seu pai não se intimidou e a cusparada desferida mostrou que ele não era do tipo que se entregava.. ninguém naquela tribo era. O pescoço de seu pai sendo partido e a cabeça girando no ar com olhos fixos no vazio foram a última cena que Rock viu antes de despertar esbaforido).
- Acalme-se.. (disse alguém em tom sereno levando as mãos ao seu ombro e peito..) Você está bem e em segurança. Nós resgatamos você e seus amigos próximos à estrada. Estavam todos desacordados e muito feridos..
Olhando em volta, Rock reconheceu o professor Yorgói e o outro gnomo, Arnoux. Estavam realmente feridos, mas pareciam bem, ali deitados em camas de beliche, assim como ele. O rapaz com quem falava tinha um ar simples, humilde e simpático.
- Chamo-me Luan e sou um servo de Ilmater. Minha congregação dirige-se para a Cidade dos Esplendores a fim de ajudar com os transtornos causados pelo ataque da Cidadela das Sombras. Por sorte, os vimos caídos ainda antes do amanhecer. Então trouxemos vocês até esse modesto templo de Pinheiro Vermelhos e...
- O.. onde estão os outros?
- Estão nos quartos ao lado.. garanto que estão bem e...
- Eu.. eu preciso falar com eles.. senhor Yorgói.. (disse o rapaz levantado-se apesar do clérigo de Ilmater não concordar que devesse fazê-lo.)
- O que.. Rock? Onde estamos? A explosão.. (disse o gnomo levando a mão à cabeça e se lembrando..) A messalina das trevas?!?
- Não sei.. havia uma mulher?
- Sim, duas. Uma gnoma e uma humana, que estão no quarto ao lado..
- Professor, eu tive outro sonho.. sonhei com minha vila e demônios..
- Bem, uma coisa de cada vez. Melhor vermos como estão os outros...
Levantaram-se e logo estavam reunidos. Mesmo que muito feridos pela explosão que transcendera as barreiras do imponderável, Ehtur, Ryolith, Yorgói e Rock estavam de pé. Arnoux, Úrsula e Pereirão não pareciam ter se recuperado o suficiente. Para tristeza do guardião errante Ehtur, nenhum sinal de Alissah. Ele também descobriu que haviam levado sua bolsa mágica onde estava guardada a pedra estelar.. tudo mais estava lá como antes. Lembrou-se dos dois sujeitos que vira quando do encontro com a pedra.
Luan os alertou que haviam aprisionado alguém que acreditavam estar ligado aos responsáveis pelo ataque a eles. Ehtur foi ver se tratava-se do guardião da maldita que os atacara. Yorgói e Rock foram despertar as mulheres.
Ehtur não ficou verdadeiramente surpreso ao deparar-se com Syrius Black preso e acorrentado no pequeno depósito no porão do templo. Ele tinha as costas livres e o guardião pode ver bem as marcas negras que assomavam por sobre a carne mutilada.
- Ele não é o responsável.. é apenas um dos que nos acompanhava.. (desolado, Ehtur não tinha qualquer ânimo, mesmo vendo que Black acordava..) Podem libertá-lo.
- Não podemos. É preciso averiguar essas marcas consagradas à Senhora da Escuridão.. ele deve ser purificado ou estará condenado.
- Tanto faz. Façam como quiser.. (disse Ehtur já retirando-se e vendo Yorgói e Rock surgirem no alto da escada. Ambos haviam conversado com a druida Daphne, que concordara em acompanhá-los, ao menos até a floresta, muito embora, na atual conjuntura, estivesse mais preocupada em encontrar um certo lobo, que dizia esperá-la fora do entreposto.


Yorgói e Rock também intercederam por Syrius Black, mas as marcas de Shar pareciam pesar mais na opinião do clérigo de Ilmater. Apenas após tecer um prece pela verdade, ele deu ouvido as palavras do prisioneiro, que sentia a verdade escapar-lhe pelos lábios, expondo mais do que ele planejara sobre Lotti, os escravos e seus escrúpulos. Luan disse que se era verdade o que ele jurava, a maldição que lhe fora lançada seria extirpada, muito embora nenhum outro que não ele pudesse ser culpado por uma vida que o conduzira ao seio da maldade.
Menos de uma hora depois, Yorgói e Rock assistiam os clérigos prepararem o ritual de purificação. Enquanto isso, no perímetro da cidade, Daphne que encontrara David viu Ehtur partir sozinho pela estrada. O divino lobo informava à sua senhora que os ataques à floresta haviam se multiplicado, lembrando-a do ataque em que a nefasta mulher que comandava os orcs e trolls a aprisionou. Os ataques agora vinham também do interior da floresta.. do próprio chão. Elfos negros como a noite.. goblins peludos e enormes.. criaturas com cabeças de polvo e magia nos tentáculos. Em seu jovem coração, a druida sentiu o perigo que afligia seu lar.
No templo de Ilmater, já livre e cercado por 4 clérigos, Syrius Black escutava a ladainha ininterrupta que prometia libertar sua carne. Ele sentiu, então, a força purificadora invadí-lo, torcê-lo e deixá-lo, mas as marcas continuavam lá. Os clérigos frustrados se entreolhavam..
- Precisaremos de mais tempo. (disse o líder deles..) Você deve nos acompanhar até Waterdeep.. lá, poderemos providenciar um ritual mais poderoso.
- Mas nosso tempo urge.. temos uma donzela a salvar.. (intrometeu-se Yorgói..) Entendo a importância de vossa demanda, mas nós precisamos partir..
- Apenas esse homem deve ir conosco, mestre gnomo.
- Mas eu tenho obrigações a cumprir com meu contratante.. se me der seu endereço, prometo procurá-los no meu retorno.. (dizia Syrius, que percebia que enxergava com mais clareza naquela pouca iluminação, embora sentisse os sentidos confusos e atordoados..)
- Você é livre para ir, senhor Black. Mas saiba que essas marcas são um chaga perpétua sempre a devorar um quinhão de sua alma.
- Sim, sim.. e vocês não ajudaram em nada, não é mesmo?
- Se há alguém por culpar aqui, é sua vontade que parece alinhar-se com a Senhora da Escuridão.. (retrucou Luan antes de levá-los dali).
Apenas Pereirão, ainda ferido e desacordado, permaneceu repousando no templo de Ilmater no entreposto de Pinheiros Vermelhos. Arnoux e Úrsula, agora despertos, acompanharam os demais pela estrada rumo à Grande Floresta e à vila de Yorgói, mesmo com a proximidade da noite. Andaram poucas horas, é verdade, pois logo foram surpreendidos. Surgidos do nada, demônios os atacaram. Eram muitos e sabiam o que queriam. Rapidamente, se apossaram do rapaz Rock, atacando os demais.
O som da batalha atraiu a atenção de Ehtur, que não longe dali inspecionava os rastros da batalha anterior onde Alissah desaparecera. Ele interrompeu sua leitura dos rastros indo em socorro daqueles que já não podia chamar de estranhos. A muito custo, com a soma de seus ataques e principalmente os poderosos ursos castanhos invocados por Daphne, conseguiram banir os demônios de volta para os Nove Infernos.

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