15 de nov. de 2011

O eclipse...



Ehtur acompanhou o eclipse de seu refúgio nas árvores. Mais uma vez ele estava sozinho contemplando o lado sombrio do mundo. Pode ouvir os uivos longínquos, provavelmente de algum licantropo intoxicado de energias tenebrosas. Sentiu o cheiro de fumaça trazido pelo vento do sul. Imaginou um princípio de incêndio para além dos dois grandes picos que irrompiam entre as árvores, bloqueando sua vista naquela direção. Achou que aquele seria um bom caminho a tomar, enquanto adormeceu com seu sexto sentido ligado.
Quando acordou, algumas poucas horas depois, a manhã já clareava o azul do céu no horizonte. Desceu de seu refúgio nas árvores, checou o perimêtro, embora não houvesse nenhum sinal além de pequenos roedores e seres rastejantes. Os animais e as árvores pareciam aliviados com a manhã que seguia-se ao eclipse, mostrando que a vida sempre continuava em seu ciclo sem fim. Ehtur resolveu seguir para o sul, lá poderia dar seu quinhão ao equilíbrio desse lugar tão antigo e sagrado.
Andou pouco mais de uma hora, atento aos riscos naturais inerentes à Grande Floresta. O primeiro encontro que se interpôs foi com um guardião dessas árvores, um druida, que concedeu-lhe a permissão para caminhar sem riscos por ali, afinal Ehtur era ele mesmo um guardião de Miellikki, deusa dos protetores da natureza e dos animais da floresta. O druida chamava-se Bhonno, informou Ehtur do ataque orc e troll no sul, narrando como a situação estava sendo controlada por outros como ele a sudoeste dali. A ele, no entanto, cabia proteger aquela área. Assim, despediram-se.
Nas horas seguintes de caminhada rumo a sudoeste, Ehtur voltou a se aproximar da fronteira da floresta. Ainda caminhando oculto entre as árvores, ele pode ver a estrada que seguia paralela à vegetação, onde algumas carroças e viajantes seguiam com seus negócios. O senhor Telcontar logo percebeu uma andarilha que advinha do âmago da mata. Um elfa selvagem, com o tom esverdeado de pele que lhes era peculiar. Ela parecia distraída e ficou surpresa quando ele a abordou. Disse chamar-se Alissah. Antes que ele pudesse dizer quem era, teve início o ataque.
Na estrada, um grande grupo de orcs e trolls atacou quem por ali passava. Os viajantes corriam desesperados tentando salvar as próprias vidas. Apenas Ehtur Telcontar não se importou com os riscos, sacou sua lança e fez o que tinha que fazer. Alissah o acompanhou.
A lança do guardião somou-se à magia da feiticeira elfa de maneira letal. Eles derrubaram 1 dos trolls e 5 dos orcs evitando um mal maior. Os inimigos destruíram apenas uma carroça e não roubaram muito mais do que algumas sacas de alimento e um par de cavalos. Um dos mercadores salvos, de nome Tom Sawyer, agradeceu a ambos com uma gratidão profunda. Explicou a eles que levava uma carga secreta e especial para Waterdeep.. diamantes azuis de Turmish.. gemas raras e consagradas à Deusa da Lua, Selune. Deu-lhes uma como paga pelo resgate e ofereceu outra caso o protegessem até a grande metrópole da Costa das Espadas, a Cidade dos Explendores. Ambos, fascinados pelo brilho das jóias e pela sintonia na batalha, concordaram em um bater de corações.
Foram quatro dias tranquilos de viagem. Quatro dias de uma paz que serviu para Ehtur ver naquela elfa mais do que a beleza esmeralda de seus olhos. O errante deixou-se encantar pela simplicidade madura daquela jovem inexperiente, que parecia fascinada pela seriedade dele. Ela falava sobre um mundo além da floresta que desejava a mais tempo do que ele possuia de vida e, ainda assim, era ele quem tinha histórias a contar. Talvez histórias demais...


Em Waterdeep, Arnoux Xuazineguer não teve qualquer dificuldade para entrar no quarto de Syrius Black. No quarto não havia nada além de uma cama simples de palha e um baú vazio. O decepcionado Arnoux pôde fazer pouco além de urinar sobre a cama e a muda de roupas do gatuno. Isso o manteve por ali o suficiente para, ao sair, deparar-se com homens da lei que pareciam também ter negócios a acertar com o senhor Black. Arnoux foi rápido o suficiente para sumir da vista e escapar pela janela, a tempo de, vindo pelo caminho certo, conversar com as autoridades e informar-se dos crimes de Syrius. Comprometeu-se a ajudar e voltou para o quarto, onde explicou tudo a sua amada Úrsula. Ambos resolveram estender a noite do eclipse com algum serviço de entretenimento no saguão da estalagem.
Não lograram muito sucesso, a bem da verdade, pois ainda que espectadores houvessem, não pareciam público afinado ao talento do casal de gnomos. Receberam, no entanto, uma proposta de emprego diversa, um anão chamado Glóin precisava que duas cartas fossem entregas em locais específicos: a primeira, a 100 peças de ouro, era endereçada a uma torre ao sul, aos pés do monte Waterdeep; a segunda, era para um certo professor Yorgói Dossantis, na guilda Alfarrábios e Afins, paga com 50 peças.
No dia seguinte, não tiveram problemas para achar a guilda e o tal professor. Encontraram-no juntamente com um humano de aspecto rústico e grandalhão chamado Rock. O professor Yorgói, entretanto, tinha lágrimas e desespero nos olhos. Informaram-no da carta, o que o animou subitamente, mas tão repentinamente quanto mudou o humor do professor, o rapaz bárbaro teve uma crise, gritando como um louco alucinado. Seus olhos vidrados contemplavam o nada e seus dedos pareciam tentar esmagar o próprio crânio.
Rock havia tido estranhos sonhos toda a noite e o eclipse os povoava, cobrindo toda a existência com uma escuridão medonha e gélida. Se chegara à cidade ansioso por treinamento mágico em um local como essa guilda arcana, agora era a busca por respostas que o trouxera até aqui. Arnoux e Úrsula viram Yorgói ser rápido e usar de uma estranha poção em uma garrafinha similar a um cogumelo, que acalmou e derrubou o grandalhão berrante.
- Vão cuidar de seus afazeres. Eu cuidarei do rapaz, mas precisarei dos vossos serviços. Tenho uma nobre missão.. salvar uma donzela indefesa.. graças a essa carta que me trazem. Pagarei bem se me acompanharem e nosso destino não é longe daqui...

Enquanto alguns se organizavam, em outra parte de Waterdeep, Syrius Black, orgulhoso das próprias habilidades, dirigia-se para uma estalagem de onde poderia acessar a festa da noite do eclipse. Ele entregou o fruto do crime para o porteiro e este ofertou-lhe uma de quatro máscaras que possuia. Syrius escolheu uma máscara de pano cinzento que cobria todo o rosto, mas ficava solta abaixo do nariz, muito similar àquela que simbolizava Márcara, senhor dos ladrões. Após uma curta caminhada pelo esgoto, ele adentrou a festa. Os convidados eram inúmeros e todo o ambiente reverberava a lascívia dos presentes. Todos estavam mascarados, com uma das quatro máscaras, mas haviam desde senhoras vestidas em grossos casacas de pele até mulheres totalmente nuas.. de grandalhões em corseletes de couro até jovens magricelas de tanga. A música era sinistra como um violino teatral em momentos de tragédia anunciada.
Syrius precisou apenas de um drinque, antes de misturar-se a quatro mulheres de máscara negras que dançavam no centro do salão como meretrizes ninfomaníacas. Uma entrega total durante o eclipse. A carne delas era fria e macia ante o toque quente dele. Isso é sua última lembrança.. ou a última fugidia imagem nebulosa recuperada por sua mente em um relato dúbio posterior.
Fato é que Syrius Black acordou nú e com as costas doloridas na altura das escápulas. Gente nua inerte no chão não faltava e ele pode recolher as próprias roupas, alguns pertences e moedas dos outros e partir, fatigado em um certo torpor. Sorte ou não, encontrou-se com Lotti ao entregar as máscaras, que também deixava a festa e contou alguns detalhes de que ele não se lembrava. Conversaram sobre os escravos, Black pediu uma nova estalagem e foi encaminhado para o Colírio do Olho, onde os escravos seriam entregues.
Foi lá, com uma bacia de água, que Syrius Black descobriu as sinistras e tenebrosas marcas negras em suas escápulas, como volumosas cicatrizes negras, que apareciam refletidas na água. Possuído pelo terror e pelo medo, ele tentou lavar e arrancar aquilo de sua carne, sem sucesso. Desesperado, esquentou a lâmina de suas adagas e mutilou as próprias costas para arrancá-las. Ferido e alucinado, queimou a pele arrancada. Desfaleceu como um doido desvairado com as costas em carne viva.
No dia seguinte, chegaram os seis escravos humanos que ele devia guardam: quatro homens de peles morenas, aspecto de guerreiros, sendo 3 acordados e 1 inerte; um desmaiado caucasiano de traços delicados e ar nobre; uma mulher estranhamente familiar, de ar rústico e também desacordada. Syrius os deixou descansar ali acorrentados, providenciou água e pão. Ele cuidou de providenciar um transporte para a entrega dos escravos no tal ritual e resolveu ir até o mercado alugar uma carroça.


O mercado de Waterdeep era um lugar fascinante. Podemos afirmar com certeza que se trata do maior centro de compras, vendas, escambos, mutretas e afins de toda Faerun. Tudo poderia ser ali encontrado: desde de simples vidrinhos com areia colorida do Anauroch até pérolas negras do tamanho de punhos trazidas do Grande Mar; de facas de cozinha capazes de cortar meias de seda até martelos carregados da energia dos raios e trovões. Ele ocupava toda a região central de Waterdeep acima das docas, sendo uma área muito bem patrulhada pelas autoridades locais e especialmente agitada. Em torno do mercado, ficavam grande parte dos templos das divindades da cidade. O templo da deusa do comécio Waukeen era, obviamente, o mais destacado, com sua fachada de ouro e suas seis torres, cujos sinos dourados poderiam alimentar um pequeno reino. Os anjos de mármore em alto relevo faziam o templo parecer uma grande nuvem de contornos dourados e povoada por anjos. Outros templos como o de Oghma, senhor do conhecimento, e Mystra, senhora da magia, também chamavam alguma atenção dos incontáveis estrangeiros. Os cidadãos locais costumavam estar mais atentos aos próprios pertences...
A cidade e o mercado estavam especialmente radiantes. O eclipse havia passado sem nenhuma das tragédias previstas. Alguns incidentes foram obviamente relatados e certamente a Guilda dos Ladrões das Sombras tinha tido seu incremento de lucro, mas a ordem, como de costume, havia se afirmado. Nenhum ataque de mortos-vivos comedores de cérebro ou peste incurável assolou a cidade e Waterdeep estava sempre acostumada e preparada para o pior. Talvez isso tenha impedido um grande número de infartos no exato momento em que o céu abriu-se em um rasgo, como se páginas de um livro folheado fossem distanciadas. Do centro da fissura sombria, emergiu uma cidade voadora.


A Cidade das Sombras tinha grandes torres negras como o ônix e muralhas como que feitas da própria escuridão. A luz que para ela se dirigia parecia ser tragada, tornando a percepção de tudo que a envolvia nebulosa. Certeza era que os grandes seres que voavam ao seu redor eram dragões.. dragões das sombras. Se não haviam sido chacinados por falências de suas artérias coronarianas, os cidadãos não se furtaram a buscar abrigos seguros para o que se seguiria. Ainda que aterrorizados e às pressas, todos já pareciam saber que mais uma batalha viria.
Em meio a esse rotineiro caos, Arnoux reconheceu Syrius a dirigir sua carroça. A discussão nada proveitosa entre a ira de Xuazineguer e a embromação de Black, quase levou às vias de fato, não fosse a orientação do professor Yorgói de que o grupo buscasse um abrigo. Quase como se o destino quisesse enfatizar as palavras do professor, nesse momento, uma das colossais estátuas andantes de Waterdeep ganhou vida e os ares para lutar contra os dragões.. ali nao era mais lugar para eles.


Estando todos na carroça, refugiaram-se no Colírio, onde Syrius Black teve que encarar a verdade sobre os escravos que guardava. Os indivíduos que trouxera com ele em nada concordavam com o aprisionamento das pessoas que ali estavam, mas o senhor Black relutava em admitir a profundidade do problema. A situação extrema, no entanto, pareceu simplificar as coisas para todos. Uma terrível cidade voadora e sombria parecia ser a própria arauta do fim dos tempos, o que facilitou a imediata libertação dos prisioneiros. Mesmo sob protesto do Olho, aparentemente enrolado por Syrius, os ex-escravos foram curados e convidados a acompanhá-los em uma provável luta pela sobrevivência.


Pereirão era o líder de três deles. Dizia que vieram do Anauroch onde foram presos por traficantes de escravos que destroem os oásis de sua tribo. Estavam perdidos e longe de casa. O outro era um servo de Tyr.. um paladino. O servo do senhor da justiça chamado Rhyolith Fox vinha de Cormyr, um nobre reino ao sul. Apenas a garota não acordara.. ela parecia paralisada por algum encanto, que nem mesmo os poderes do paladino pareciam resolver.
Temerosos quanto à segurança de onde se encontravam, os estrondos lá fora e a falta de escrúpulos do caolho Olho levaram eles a sair dali. Chegando à rua, usaram a carroça para deixar a cidade cujas ruas já estavam em sua maior parte desertas. Quando eles estavam próximos da saída, Alissah, que esgueirava-se com Ehtur para escapar dessa cidade louca, reconheceu a desfalecida druida Daphne Amkathra na carroça desembestada que passava.
Isso não chamou a atenção apenas dos dois. Nove grandes gárgulas das trevas atiraram-se do céu sobre eles, matando o cavalo, destruindo a carroça e sugando suas forças com raios tenebrosos. Ehtur conseguiu vitimar dois deles, que explodiram em uma energia sombria. Dois outro carregaram 3 dos homens de Pereirão. Fox conseguiu carregar o corpo do nômade, mas tinha sua força sugada, assim como o próprio Pereirão e Ehtur. Black escapava furtivamente, enquanto os demais corriam desesperados.
Os cinco gárgulas restantes se reuniram a 10 metros de altura, observando-os como um gato que brinca com o rato antes de engulí-lo. Seus olhos brilhavam com a energia sombria que enfraquecera os heróis, todos feridos e receosos do fim. Ao fundo, o mundo parecia estar acabando, ainda que a estátua e vários indivíduos de grande poder combatessem a cidade de sombras...

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