25 de set. de 2015

Só o amor destrói...


Entre a dúvida se aquilo era apenas mais uma ilusão e a visão dos elfos ao longe, o grupo travou uma longa discussão. Não parecia haver como retornar. Derdeil Óphodda tentou desfazer a ilusão, mas sua magia de desfazer magias apenas afetou a área como faria normalmente, mesmo que empunhasse o amuleto em forme de Z. Kaliandra Boaventura sentia o desejo de ir contra os elfos e encontrar Shei Long para dar cabo de seu nêmesis, mesmo que fosse uma ilusão. Mari'bel dedicava-se aos rastros, que tão logo se afastou o suficiente da base da montanha, percebeu serem de dezenas de elfos de pés pequenos que surgiam ali e seguiam para o norte. Eles existiam acima de rastros de animais de cerca de cinquenta dias atrás. Edgar voou à frente para ver a multidão de elfos em marcha, enquanto Ohterrível, que não parava de crescer, voou para o alto da montanha.
Pegando o amuleto de volta, Rufus Lightfoot resolveu ele mesmo ativá-lo. Através de sua concentração, ele percebeu que seus sentidos estavam ampliados, mas seus colegas viram que isso veio com a mudança dos olhos e orelhas do hobbit, que pareciam monstruosos agora. Ao invés de assustá-lo, isso o incentivou a continuar. Uma nova tentativa fez o pequenino se sentir mais ágil do que nunca, mas o fez ter pernas peludas de carneiro como um fauno.
Tudo isso, no entanto, ficou em segundo plano quando Ohterrível retornou com um gargântico dragão vermelho. Apesar do temor inicial, a criatura conversou com eles e estava decidido a ajudá-los. O dragão Arishvashtrinclis disse que podiam chamá-lo de Ari e ofereceu-se para levá-los em suas costas, enquanto ia explicando a perfeição que era aquele mundo comandado pelos dragões.
- A Primeira Floresta é o território sob o domínio de Invaerhnum... - Ele ia dizendo e lá do alto eles podiam avistar a massa verde que se estendia para o norte, o oeste e o leste até o limite de suas vistas. Mari'bel mal continha a felicidade em ver seu lar pleno e imaculado, enquanto o dragão ia explicando como o domínio do dragões nunca havia sido desfeito nesse mundo.
Ao passarem pelos elfos, estes curvaram-se e reverenciaram o gargântico dragão vermelho. Nesse momento, com sua pequena luneta, Rufus reconheceu uma elfa verde entre os inúmeros elfos de pele dourada. Era a amiga de Kaliandra, Trina Blair. O hobbit que que escamoteara suas mudanças usando um chapéu de disfarce alertou os demais, pois seguia separado voando sobre Ohterrível, que já era grande como um cavalo.
Uma mensagem mágica chegou a ela, mas a arqueira elfa verde não aceitou as palavras, pois afirmou que Kaliandra estava morta há cinquenta anos. Isso levou a um debate por mensagens mágicas, mas Ari prosseguia voando para a Primeira Floresta, enquanto os guardiões elfos montados em grifos abriam caminho.
Três dragões verdes chegaram para recebê-los. Quando pousaram, Mari'bel aproveitou para comungar com aquelas árvores que eram como suas mães, suas irmãs e suas filhas. Foi nesse momento, quando as energias mais puras e primordiais se conectaram, que a ilusão tornou-se insustentável.

Todos viram-se uma vez mais na fonte. Rufus Lightfoot nada tinha de suas transformações. Mari'bel sentia a dor do vazio de perder a Grande Floresta, mesmo uma Grande Floresta ideal que nunca existira. A killoren buscou novamente por rastros, mas nada havia. Estavam ali, como sempre, apenas as portas coloridas. Não havia sinal nem mesmo do caminho pelo qual eles haviam chegado até ali.
- É inútil escolher qualquer caminho. Será apenas outra ilusão! Isso aqui já é outra ilusão! - Protestou Derdeil Óphodda.
- O que fazer, mestre? - Gralhou Edgar. - Só temos ilusões...
- Não só... Existem coisas que foram reais... Você não é mais um kobold, não é mesmo?
- A mulher githyank cara de sapo também sumiu...
- E o que você sugere, Derdeil? - Questionou Kaliandra.
- Eu preciso de poder. De poder e do amuleto... Só assim poderemos vencer o poder que nos prende nessa espiral labiríntica maldita!
- Você quer que entreguemos nossa força vital? - Desconfiou Mari'bel.
- É nossa única esperança. Se não sacrificarmos nossas vidas ilusórias nunca despertaremos para a realidade, Mari'bel. Chega de andarmos em círculos! Eu tenho o poder do fogomágico e irei queimar minha própria essência para nos tirar daqui...
O olhar do escolhido do deus da magia fitou os olhos de Kaliandra Boaventura com a mesma determinação arrogante do dia em que se conheceram em Invernunca. Algo no peito dela dizia que ele sabia do que estava falando. Algo nela acreditava nele.
- Está bem... Se esse é o preço da minha vingança...
Mesmo com menos convicção, mas cansados de tantas voltas, reviravoltas e retornos, Rufus, Ohterrível e Mari'bel também concordaram. Dentro da fonte, Derdeil Óphodda absorveu aquela energia que lhe era entregue, empunhou o amuleto de Zalathorm e derramou todo o fogmágico que seu corpo podia comandar. Por um instante foi como se a própria realidade não desse conta de tanta energia. 
Depois, ele viu-se em um lugar quente e enevoado.

- Parece que eu subestimei sua capacidade, Óphodda. Mas não cometerei esse erro de novo... - soou a voz de Zalathorm.
Derdeil não teve sequer a chance de responder, pois já estava mais que paralisado, uma vez que seu corpo era incapaz de seguir o fluxo temporal. Sua mente e seu corpo estavam entregues agora a um estado de ausência eterna.
- Mestre Zalathorm, queira entender... - tentou falar Edgar que chegara no ombro do escolhido do deus da magia.
- Não dessa vez, ave traiçoeira! - Decretou o nethyarca supremo de Halruaa fazendo o mesmo com o corvo. - É incrível que mesmo com suas tramoias e seu apetite servil pela destruição, tenha ainda a fidelidade dos seus, mago.
Um a um, Zalathorm usou seus poderes para libertar a energia vital dos demais das tramas pessoais de Derdeil Óphodda. Primeiro veio Rufus Lightfoot, que pode ver o velho mago nu em meio à névoa. Depois foi a vez de Mari'bel. Enquanto eles se recuperavam e tentavam entender, chegou Ohterrível. Por último e mais difícil de separar foi Kaliandra Boaventura.
- Mesmo condenados a partir com esse mundo após perderem minha primeira oferta, vocês conseguiram retornar para a possibilidade de um amanhã. Ainda assim, vocês quase serviram de combustível para a ganância e a cobiça desse servo do excomungado maldito.
- Nós ainda queremos salvar Faerun... - Interviu Mari'bel. - Em nome do equilíbrio. Temos de impedir os planos da aranhuda maldita!
- Não há mais uma Faerun a salvar! - Anunciou o nethyarca sem parecer realmente triste com aquilo. - A senhora das aranhas completou sua missão
- Não é possível! Eu ainda preciso de minha vingança... - Lamentou Kaliandra. - A aranhuda não pode ter vencido!
- O que tinha de ser já o foi. Ela realizou o sacrifício desse mundo que julgava alçá-la além dele para prender o próprio fluxo da existência em sua teia. No entanto, ela acabou consumida na pira de seu próprio incêndio, assim como tudo mais além de nós. Somos tudo o que restou. Faerun vive apenas em nossas memórias. Agora devem entender que são seres do universo e não de um mundo.
- Uhu... pirata dos planos... - Rufus ajeitou o tapa-olho. - Vamos Azuzu III.
- E Derdeil? - Questionou Kaliandra olhando para o homem paralisado e alheio a tudo ali.
- Ele terá o mesmo destino que seu mestre e seus planos... A ruína! - Disse Zalathorm esticando um indicador para completar a invocação anaquiladora.
- Eu não acredito que Rhange esteja destruído... - Foram essas as palavras da trovadora da espada que mudaram tudo.

Zalathorm não teve tempo para expressar sua surpresa ou frustração. Rhange Hesystance, o deus da magia estava ali antes que o som da última letra escapasse aos lábios da elfa. Não havia mais névoa ou calor. Zalathorm já não estava mais lá. Nem sequer um grão de seu ser restou.
O sinistro deus sorriu como um maníaco para Kaliandra, ao mesmo tempo que Derdeil Óphodda e Edgar recuperavam sua pertença ao fluxo temporal daquele pequeno bolsão dimensional que pertencera ao nethyarca de Halruaa, mas que tinha um novo senhor agora:
- Parabéns, Derdeil. Você saiu melhor que a encomenda... Até mesmo o amor que você plantou nessa mulher nos serviu bem. E agora temos todo um mundo para moldar sem que haja quem possa nos deter!
Edgar voou e posou sobre o ombro de Rhange crescendo como um corvo salvagem.

Em um instante, a casa de banhos não existia. As árvores que Mari'bel via lembravam-na da Grande Floresta. De seus pensamentos vieram também cogumelos, flores, insetos, anfibos e pássaros. Ourtos seres iam se apresentando, surgindo entre as árvores. Um treant, um centauro, elfos.
- Mas e quanto aos demais deuses, mestre? - Dizia Derdeil ainda aturdido com tudo aquilo.
- Não existem deuses, Derdeil. Nunca existiram! Nunca vão existir! Só existe um deus, Rhange Hesysthance!!!
- E Óphodda é seu profeta... - Completou Edgar.
- Mas e Selune? - Disse Derdeil exitante.
O golpe do cajado de Rhange em sua cara o calou e o lançou ao chão, enquanto uma lua despontou no céu como o sorriso de um gato. O deus da magia gastou menos que o tempo de um olhar com o astro celeste.
- Não tenha medo de dominar, Derdeil! Você tornou tudo isso possível! Até mesmo quando agiu despropositadamente como amando aquela tola, você estava plantando as sementes de nossa vitória! Agora é a hora de nossa colheita, meu filho! Levante-se e governe!
- Bibiana.. - Murmurou Kaliandra vendo os elfos que chegavam, mas nada aconteceu.
Por sua vez, Derdeil Óphodda avançou até o centauro e o degolou com um só golpe de sua adaga embebida em fogomágico. Quando o corpo da criatura tombou, duas novas emergiram, um humano e e um cavalo.

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