A batalha contra os demônios foi breve. A cantoria de Sérgio Reis, a espada arcana de Volcana, a furtividade mortal de Rufus e a baforada do dragão Ohterrível deram conta do quarteto demoníaco, antes que causassem maiores danos.
A trovadora da espada usou seu conhecimento dos planos para conseguir localizar-se na vastidão erma e sem referências do plano astral. Ela sabia que o plano era na verdade o espaço entre os planos, um lugar-fronteira que tinha seus próprios habitantes, mas que acima de tudo servia como caminho a todas as viagens planares. Ainda conseguia saber a direção do plano dracônico de onde vieram e tinha em mente que dali poderiam conseguir algum portal ou fissura planar que os devolvesse até Faerun. Sabia que, na verdade, poderia chegar a qualquer lugar. Até mesmo ao plano de Bibiana.
Ainda assim, a elfa e o bardo precisavam descansar para recuperarem suas magias. Mas Kaliandra sabia que ficar parado no plano astral não era seguro. Isso aumentaria as chances de encontrarem algum inimigo errante.
- Entrem nos sacos de dormir e eu puxo... - disse Rufus dando pirueta e brincando com a falta de gravidade.
- Muito bem pensado, Rufus.. - concordou Ohterrível. - Aqui vocês serão leves como plumas... ou pipas...
- Acho que podemos rachar um saco de dormir e nos consolar pela perda de nossos entes queridos, Kaliandra. Afinal de contas isso é tudo culpa dos elfos mesmo... - disse Sérgio Reis se aprochegando.
- Mais fácil eu rachar a mão na sua cara, Sérgio... - disse Kaliandra empurrando-o.
Depois de alguns minutos, Rufus e o dragão saíram puxando os dois aliados que dormiam um sono sem sonhos. Durante o caminho que parecia sair do nada e levar a lugar nenhum, os dois aproveitaram para papear. Apesar de se manterem atentos e em alguns momentos terem a cautela de inspecionar vultos que iam surgindo no ambiente enevoado, descobriram não ser nada além de aerolitos.
- ... e daí que não sei se vale a pena voltar pra Faerun já que a coisa tá tenebrosamente ultra lascada e enteiada por lá. Pensei que desse pra achar algum lugar assim mais de boa...
- Não me é estranho o nome que tem esse seu plano material. Mas ouvi algo assim como Abeir-Toril... - retrucou o dragão interessado.
- Toril acho que é o tudão junto onde o meu tudo fica... - ponderou Rufus tentando se lembrar algo das aulas de geografia para além dos belos bolinhos que sua mãe fazia.
- Existem infinitas outras possibilidades de planos materiais por aí... - explicou Ohterrível. - Eu mesmo agora que saí do lugar da onde vim e de onde nunca saí, onde representava a representância primeira da jovialidade do começo dos dragões, assim como uma infância, na falta de palavra melhor, tenho que achar algum lugar pra ir...
- Você pode vir com a gente... - animou-se Rufus. - Eu perdi meu cachorro, o Azuzu II e...
- Eu preciso conhecer as coisas agora... - filosofou o dragão. - Já que me desapeguei de uma existência representativa e ideal por uma concretude limitante e limitada, só me cabe errar e sentir o que pode vir disso como o fazem vocês, não é mesmo?
- É... - sacudiu a cabeça o hobbit.
- Existe um interessante plano material chamado Krynn. Lá os dragões são seres magnânimos. Deuses plenos diante de todas as outras espécies de seres viventes.. acho que lá é uma boa opção... - seguiu explanando Ohterrível e deixando Rufus cada vez mais animado com a ideia de que tinha um dragão e que eventualmente ele aceitaria ser chamado de Azuzu III. - Você não teria umas peças de platina, teria? Bateu uma fome aqui e faz tempo que não provo umas..
- Xiii... acho que não.. você come platina? - Estranhou o ladino hobbit-aranha.
- Claro.. uma iguaria rara... prefiro gemas... uns rubis.. até me dá calor na boca sabe... deixa o nosso fogo mais vivo. Mas diamantes são o prato mais apreciado por nós dragões metálicos.
- Achava que vocês juntavam pra dormir em cima... - disse Rufus coçando a cabeça.
- Ah, isso é coisa de dragão cromático.. da galera de Tiamat sabe. Até os dragões gêmicos curtem uma comidinha mineral. A gente até come carne se precisar, mas não é a mesma coisa. Tem tudo o mesmo gosto...
- Peraí então.. - falou Rufus indo até o adormecido Sérgio Reis. - Taqui ó... - disse ele entregando uma moeda. - Melhor economizar que não sabemos quanto tempo vamos ficar por aqui né...
Ohterrível devorou a peça de platina com avidez e Rufus Lightfoot percebeu que o dragão parecia maior do que algumas horas atrás quando o conhecera. Mais algumas horas se passaram, até os dois usuários de magia despertarem.
- Montaria fanstamagórica! - Gritou Sérgio Reis conjurando um cavalo espectral para montar. - Só pode ser montada por um, mas posso chamar outro...
- Melhor guardar. Podemos ir amarrados em você... - avisou Kaliandra.
- Eu sei que você se amarra em mim, Kaliandra... - disse Sérgio prontamente.
- Eu vou tirar uma soneca, que também sou filho de Yondala.. - resmungou Rufus pegando o saco de dormir.
- Vou aproveitar a deixa também.. - disse Ohterrível.
- Está bem.. eu puxo vocês.. - disse Kaliandra.
Eles cavalgaram velozmente por mais algumas horas até Kaliandra Boaventura e Sérgio Reis avistarem vultos não muito distantes.
- Fique preparado, Sérgio.. - alertou a elfa se posicionando para uma eventual batalha e sacando a espada.
- Eu já nasci pronto, meu bem... - não conteve o falatório o bardo.
- Quem são vocês que se aproximam? - Arguiu a voz na língua dos celestiais, o que tranquilizou um pouco a dupla de viajantes.
- Queiram desculpar nobres falantes da mais bela das línguas, mas somos refugiados de Faerun que buscam um meio de retornar para casa.. - retrucou Kaliandra com toda a diplomacia possível. - Precisamos de ajuda.. eu sou Kaliandra Boaventura, trovadora da espada e capitã de Myth Drannor.. e este é Sérgio Reis, um bardo que me serve...
- O cãozinho do berrante... - interrompeu o bardo com petulância.. - Estamos aqui por culpa dos elfos que devastam nosso mundo e...
- Cale-se, seu idiota! - Cortou-o Kaliandra. - Não escutem meu lacaio, ele é um tanto lerdo. Se puderem nos ajudar a encontrar algum portal, nobres celestiais..
Um dos vultos se aproximou e puderam ver que era uma estranha mulher extraplanar. Ela vestia um manto cinzento e placas de metal esparsas. O rosto era como o de um réptil, verde e com escamas, embora numa forma humanoide.
- De graça eu posso orientá-los. Mas dizer apenas posso como chegar num plano mais próximo. Com pagamento eu posso dizer-vos como no plano vosso chegar.. - ela disse de forma rebuscada e com um ar de enfado que era indisfarçável.
- E qual é o seu nome nobre senhorita? - Kaliandra fez uma reverência.
- Meu nome não lhe interessa ou compete. Decidam!
- E como poderíamos pagar? - Questionou a trovadora da espada.
- Meus serviços sexuais são famosos e podemos fazer uma suruba gostosa.. - interviu o bardo.
- Cale-se, imbecil!!! - Envergonhou-se Kaliandra.
- Kaliandra Boaventura é um nome poderoso.. eu aceito o seu nome como pagamento - disse a estranha mulher.
- Meu nome. Que coisa estranha.. - disse a elfa com desconforto. - Como poderia pagar com meu nome? Não creio que possa dispor dele...
- Você aceita ou não?!? - Irritou-se a mulher.
- Perdoe-me, mas não posso fazê-lo.. disseram-me certa vez que eu, Kaliandra Boaventura, a última das Boaventuras, tal qual uma valquíria seria reconhecida e não creio ser justo desfazer-me de meu nome associado a um epíteto tão eloquente.
- Cuidado com o que diz, Kaliandra Boaventura. Pois as Valquírias são seres que não se deixam convocar sem que alguma alma venham ceifar em sua passagem. E se o mesmo ser três vezes as cita, elas surgem para cobrar pela convocação.
- Você pode pegar meu nome, tribufu sem nariz.. ou pegar em mim.. sou pau pra toda obra, se é que você me entende... - ofereceu-se o bardo, enquanto Kaliandra ainda refletia sobre o que ouvira,
- E de que me serviria um nome inútil como o seu? - Desdenhou a estranha mulher.
- Está me dizendo que se as Valquírias são citadas elas aparecem aqui e vão querer pegar a alma de quem falou a palavra Valquírias? - Retrucou Kaliandra. Mas ao final do últimos fonema, três inigualavelmente belas mulheres vestindo armaduras e empunhando espadas enormes surgiram acima deles.
Elas tinham os cabelos vermelhos como sangue e asas brancas. Uma tinha o elmo com asas, parecendo a líder. Mesmo as pesadas placas de metal não conseguiam esconder-lhes a beleza magnânima. Até mesmo Kaliandra sentiu a boca secar e a fala faltar ante a visão daquela tríade gloriosa. Houve apenas o tempo da estranha mulher sumir com uma porta dimensional, sendo logo seguida por seus aliados que ainda estavam nas brumas.
- Você, que chamam Kaliandra Boaventura, nos convocou aqui a este lugar entre os planos. Anuncie seus motivos e justifique sua ousadia ou sinta nossa lâmina cobrar sua vida!!! - Disse a mais bela e terrível das três valquírias.
Nessa hora Rufus despertou e não conseguiu ficar quieto em seu saco de dormir. Kaliandra buscou as palavras certas pra se dirigir à intimidadora mulher, enquanto o bardo se deixava tomar pelo êxtase.
Nessa hora Rufus despertou e não conseguiu ficar quieto em seu saco de dormir. Kaliandra buscou as palavras certas pra se dirigir à intimidadora mulher, enquanto o bardo se deixava tomar pelo êxtase.
- Queiram perdoar, nobilíssimas valquírias, mas recebi uma mensagem de que eu seria uma dia como vocês, mesmo que uma modesta trovadora da espada como eu certamente muito tenha que aprender para alcançar a vossa magnanimosidade. Ainda assim, espero que compreendam minha imprudência já que estamos perdidos e deslocados no espaço-tempo e nosso mundo, meu povo e minha deusa dependem de que salvemos a situação - a elfa tentava usar da diplomacia, mas estava nervosa.
- Que tias lindas.. - falou Rufus saindo do saco de dormir, enquanto Ohterrível seguia dormindo.
- Eu chamei vocês aqui pra mostrar o que é um homem de verdade, agarrar nessas asas aí de vocês e fazer vocês conhecerem o céu... - disse Sérgio começando a se despir.
A líder das valquírias não atentou para os dois. Num piscar de olhos, ela estava em pé ao lado de Kaliandra Boaventura e sua espada pressionava o pescoço da elfa. A camada mais externa da pele já era cingida pelo fio perfeito da espada de duas mãos exageradamente grande e larga. A trovadora da espada sentia que se respirasse forte seria cortada.
- Você acredita que pode ser uma de nós? É preciso ser única e inigualável para chegar a Valhala. Nós iremos levar sua alma se não for merecedora - A valquíria encarou-a com fogo no olhar.
- Eu sou Kaliandra Boaventura, capitã da rainha Amídala Ancalimon, serva de Bibiana Crommiel. Eu não tenho medo. Eu não tenho nada a perder. Eu tenho um mundo e um povo para salvar!
Quando Kaliandra terminou de falar, a valquíria decepou sua cabeça se esforço algum. Antes que Sérgio e Rufus pudessem reagir, ela tocou o corpo e a cabeça e todas sumiram dali, deixando o bardo e o ladino sozinhos no plano astral.
Nas ruínas de Halarah, Derdeil Óphodda arriscou-se e adentrou o salão subterrâneo e arcaico que descobrira sob os escombros do templo da Adama. Imediatamente, as cinco estátuas tornaram-se animadas e investiram contra ele. O mago foi ferido, mas Mari'bel invadiu o aposento velozmente e o salvou dali.
- Melhor voltarmos... - ponderou a killoren.
- Esperem... - disse Edgar, o corvo familiar, que voou para dentro do aposento e passou a driblar as estátuas com movimentos arrojados. O pequeno pássaro preto conseguiu inspecionar os pedestais de onde os golens partiram e descobriu ali runas que guardavam cavidades protegidas.
- Retorne Edgar... - disse Derdeil no justo momento em que a magia inconstante que afetava tudo fez seus poderes faltarem por alguns segundos. Mesmo assim o familiar retornou. - Vamos tentar a sorte em outro lugar.. não faz sentido nos matarmos diante de tal ameaça... - ele usou uma magia de cura para recuperar-se graças aos poderes de clérigo do deus da magia.
- Podemos buscar outros rastros.. - disse Mari'bel que dissera que os rastros de alguns dias atrás eram de magos halrunianos poderosos e que passaram das estátuas, mas que vira também que estas já haviam se movido pelo aposento quando da chegada dos primeiros rastros.
Ao deixarem as escadas, apesar da negrura do céu sem sol, lua ou estrelas, eles viram algo de diferente pairando acima da cidade. Mesmo com a magia selvagem como estava, o sujeito não parecia perturbado enquanto inspecionava as ruínas do alto. Derdeil clamou por seus poderes de escolhido e enviou uma magia de mensagem, porém as palavras saíram diminutas e próximas. Tentou mais uma vez e, dessa vez, o efeito foi épico.
- Saudações, camarada. Chegamos aqui e encontramos tudo destruído como está. Precisamos de sua ajuda, pois somos enviados do grande Rhange Hesysthance para salvar Halruaa.
No entanto, estas palavras de Derdeil Óphodda, escolhido do deus magia, não chegaram apenas aos ouvidos do sujeito, elas encontraram centenas de outros destinatários em terras longínquas e até mesmo em outros planos. As respostas chegaram todas em uníssono e se não fosse a inteligência sobrehumana de Derdeil, ele não compreenderia nada.
- Halruaa? Porra Derdeil, cortaram a cabeça da Kaliandra, carregaram o corpo e eu to preso no plano da nevoazinha com o bardo chato... mas Azuzu III tá mandando um... - chegou a voz de Rufus Lightfoot.
- Isso é tudo culpa da sua maldade satânica, verme Óphodda. Você e seu deus sentirão a fúria do meu arco quando eu alcança-los! - Ameaçou Shei Long.
- Ajuda? Quem tá falando? Que maldição é essa? Não bastassem esses pernilongos malditos, agora isso!
- Derdeil Óphodda, nosso salvador. Aqui é Zalathorm e estou sob as ruínas de minha torre. Preciso de sua ajuda para me libertar! Venha logo - soou a familiar voz do nethyarca supremo de Halruaa.
- Eu logo estarei aí e prenderei-o em minha teia como a mosca que és, pequeno mago. Você sentirá o peso de brincar com a nova senhora de tudo - chegou a voz sinistra de Lolth, deusa das aranhas.
- Aklynx orzbud frietre minivante obirivitz assitrirgs freneder algorque bomborreh calocac ausdoerboros.
- Eu sou Ryolith Fox e preciso de ajuda em Forte Zhentil. Suzail caiu. Cormyr caiu. As Terras dos Vales foram devastadas!
- Os espíritos de Rashmen esconjuram-te forças nefastas e não naturais. Que o ciclo eterno da vida sem fim o faça parar de destruir o que o cerca.
- Juntem os cavalos, meus irmãos, pois o presságio dos deuses chegou enfim após as trevas. Cavalguemos! Cavalguemos para o nascente! Cavalguemos para...
- Eu sou o netyarca Procópio Excelsior, da fidalga família fundadora deste reino. Eu o reconheço embaixador Derdeil Aproxime-se, pois folgo em ver que há outro sobrevivente... - retrucou o recém-chegado.
Assim foi feito. Quando Derdeil, Edgar e Maribel já estavam próximos, o arquimago desceu e se dirigiu a eles:
- Precisamos de ajuda para obter respostas. Quando chegamos estava tudo destruído.. - explicou Derdeil.
- Isso é o que você diz? - Retrucou Excelsior, cuja família, Derdeil sabia que além de tradicional, era a única que defendia as atitudes de Karsus, quando da queda de Netheril. Os Excelsiors culpavam Mystrul, o primeiro deus da magia, por deixar-se e vencer e levar à derrocada do império de magos.
- Sou o escolhido do deus da magia e fui enviado por ele para resolver a situação de nossa terra natal, netyarca.
Ao invés de responder, Procópio Excelsior conjurou uma magia necromântica, um dedo da morte sobre Derdeil. Aquilo roubou a vitalidade do mago e clérigo, mas sua alma não aceitou partir do corpo.
- Você está louco? Queria me matar? Pensei que eramos aliados? - Gritou Derdeil, enquanto Mari'bel já sacou seu arco.
- Você passou no teste. É mesmo quem diz ser... afinal de contas, o escolhido do deus da magia nunca seria morto por uma magia, não é mesmo?
Mas antes que houvesse resposta para aquela pergunta retórica, de todos os lados surgiram mortos-vivos demoníacos. Pareciam-se com carniçais, mas traziam as energias nefastas do Abismo. Enviados de Lolth eles perceberam.
Mari'bel passou a fazer chover flechas sobre os inimigos, enquanto Derdeil lutou contra magia selvagem para detonar bolas de fogo sobre os inimigos. Eles fugiram para junto de Procópio que varreu parte dos inimigos revertendo a gravidade e arremessando-os para o céu. Os monstros chegaram a ficar próximos, mas não resistiram a tanto poder.
- Não podemos perder tempo... - disse Procópio.
- A aranhuda vai mandar mais... - disse Mari'bel transbordando seu espírito de vingança contra sua maior inimiga.
- Temos de resgatar Zalathorm. Ele está sob a Torre Central - avisou Derdeil.
Eles urgiram para o centro da cidade em ruínas. Mas antes que adentrassem os escombros da torre do governante de Halruaa, o arquimago Procópio Excelsior novamente reverteu a gravidade. Isso fez as imensas pedras flutuarem e formarem como que um quadro impressionista do que fora a torre outrora.
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