21 de ago. de 2015

Seis pesos e seis medidas... ou sete

Uma vez reunidos, Kaliandra Boaventura deixou claro que precisava encontrar o traidor Shei Long. Era sua missão como valquíria. Derdeil Óphodda disse que nada lhe traria mais prazer do que caçar a cabeça do nobre elfo, mas insistiu que deviam prosseguir, pois estavam adentrando ruínas milenares, tendo perigosos golens atrás de si que logo se reativariam.
- E quem é essa? - Perguntou o mago sobre a estranha mulher que chegara com eles.
- Nos encontramos no plano astral... - explicou Sérgio Reis. - Ela fez um contrato comigo em troca da minha alma.. é uma githyanki... 
- E o dragão? - Indagou Mari'bel.
- Eu sou Ohterrível... - disse o dragão mediano de bronze. - Estou em busca de novas experiências em minha existência...
- Em breve, Azuzu III. E esse kobold? - Quis saber Rufus Lightfoot.
- É Edgar... ele foi transmutado por uma armadilha mágica... - explicou Mari'bel. - E esse tapa olho?
- Eu sou um pirata... - retrucou o hobbit com satisfação, enquanto eles já desciam os degraus da antiga escada. - Tá no pacote da alma do bardo... 
Ao chegarem a uma grande porta de pedra, Edgar percebeu que havia uma armadilha. A tentativa de desarmá-la acabou disparando a mesma, causando um desmoronamento. Edgar, Rufus e Mari'bel escaparam ilesos, mas Kaliandra, Derdeil, Ohterrível e a githyanki acabaram feridos ficando um tanto presos entre os escombros. O bardo Sérgio Reis foi totalmente soterrado. Para livrá-los dali, o escolhido de Rhange Hesysthance invocou uma magia de criar passagem. Com isso, parte dos escombros desapareceu, Kaliandra pode pegar o corpo do bardo e adentraram o aposento por uma passagem ao lado da porta.
Certamente, eles não esperavam o que havia do outro lado. O vento forte já anunciava algo estranho. Eles se depararam com um colossal abismo cujo final não podiam perceber. Muito longe do outro lado havia um outro paredão de pedra onde poderia haver um túnel. Eles já podiam ouvir o barulho dos golens se movendo lá trás. Mari'bel via que os rastros que cruzaram a porta pareciam seguir desfiladeiro adentro.
- É uma ilusão.. - disse Derdeil, enquanto Rufus pedia à elfa a varinha de achar portais que recebera no plano astral.
- Depois, Rufus.. - disse Kaliandra se concentrando para tentar ver além da ilusão, mas sem sucesso.
- Espere, Kaliandra. Antes de avançarmos, tente enviar uma magia de mensagem para o grande Zalathorm, líder de Halruaa que buscamos resgatar... - ponderou Derdeil.
- Zalathorm de Halruaa, está é a direção correta para que o resgatemos? Nos diga como passar do perigoso abismo que temos diante de nós...
- O caminho é longo, deserto e o mau passeia aqui perto. Mas vocês não devem temer, pois tendo por guia seus corações logo chegarão a mim. - Retrucou o arquimago halruniano.
Então, o ladino hobbit pediu para Ohterrível segurá-lo e avançou para o vazio. Ele desapareceu e apareceu do outro lado, de onde podia ver seus aliados ao longe.
- Oiiiiiiiiii... - disse ele acenando do pequeno túnel onde surgiu. Os outros logo o acompanharam, mas viram que o túnel só seguia por cerca de cinco metros e terminava. Buscaram outros caminhos, mas foi Derdeil quem encontrou passagem no fim do túnel. Usando seus poderes mágicos, ele mostrou o medalhão em Z, que atraiu a atenção de Rufus.
- Que que é isso? Achei estiloso..
- É o medalhão de Zalathorm. Ele atraiu os golens contra nós e não tem sido muito útil...
- Deixa eu testar... - disse o hobbit alcançando o amuleto e colocando-o no pescoço. A partir de então, ele começou a ver o mundo de outra maneira. Tudo e todos pareciam perpassados por uma fina rede de energia esverdeada. - Uauuu... - Um par de mãos translúcidas e mágicas surgiu a um metro dele, se movendo em conjunto com as suas.
- Isso é o tecido mágico... - percebeu Derdeil.
- Ele parece intoxicado... - analisou Kaliandra.
- Acho que o item está limitado pelo alinhamento da pessoa... por isso não rendeu comigo... - ponderou o mago.
- Talvez ele tenha ainda mais efeitos comigo... me entregue isso, Rufus.. - adiantou-se a elfa trovadora da espada.
- Tira a mão daqui, tia. - Esquivou-se o hobbit-aranha pirata astral dando um tapinha com uma das mãos de mago na mão da elfa. - Deixa eu... uauuu.. - e ele encontrou o caminho secreto para que seguissem.
Do outro lado havia uma rampa elíptica e escorregadia. Os pequenos ladinos inspecionaram o que podiam para logo encontrar um chão que desmoronaria.Tentaram seguir pelas paredes, mas mesmo assim viram o chão sumir. Trevas sinistras se espalhavam lá embaixo. Rufus não percebia o tecido mágico nelas. Os outros vieram escalando, mas Kaliandra Boaventura que trazia o bardo atrapalhou-se e deixou o colega cair, vendo-o sumir na escuridão. Ela gritou, mas sabiam que não havia nada que pudesse ser feito:
- Enquanto eu carregar a alma dele, ele não estará perdido - disse a githyanki,
 Assim sendo, seguiram até que houvesse chão de novo e não mais trevas ondulantes. Encontraram uma porta entalhada dessa vez, era pesada e não parecia ser possível movê-la, ainda que Mari'bel visse nos rastros o contrário. A varinha em Y que Kaliandra recebera e que curiosamente estava com Rufus indicava aquela direção, mas também não haviam fios do tecido mágico nela. Ele tentou uma nova comunicação com Zalathorm:
- Aí seu Zala, tamo aqui numa dificuldade de passar e queremos saber como chegamos aí onde você está? Como passa da porta que não abre?
- O caminho é longo, deserto e o mau passeia aqui perto. Mas vocês não devem temer, pois tendo por guia seus corações logo chegarão a mim. - Retrucou o arquimago halruniano.
Sem muitas opções diante de nova resposta genérica, Rufus fez uso do amuleto e acabou levando-os para o outro lado em um aposento circular de arquitetura ainda mais diferenciada do que os anteriores. O centro dele era dominado por uma grande e bela fonte de três metros de raio. A estátua de uma mulher com uma harpa derramava água pelos olhos, enquanto que a escultura de um grande pássaro cuspia água numa parábola de sua boca e um entelhe de um dragão cuspia água para baixo como se fosse uma baforada. As três estátuas tinham as costas unidas, cada uma mirando uma direção do aposento, que continha seis portas equidistantes, cada qual com uma cor.
Mari'bel percebeu que os rastros de dias atrás que seguiam antes haviam se dirigido para a fonte e dali para cada uma das portas. Os rastros seguiam individualmente ou em duplas para as portas coloridas. Sempre um dos velhos com cajado para cada porta, quatro deles acompanhados por um dos mais jovens, mas havia um único rastro que não conduzia a nenhuma porta. Rufus se adiantou para a fonte, seguido por Derdeil e os demais, encontraram ali seis peixes, cada qual com uma cor, as mesmas das portas. Eles nadavam tranquilamente e tinham runas gravadas neles. Os fios da trama do tecido mágico não os alcançava, porém, e era como se seu nado sinuoso fosse justamente evitando a rede que formava a tradicional magia representada pelo deus Rhange Hesysthance. O escolhido do deus da magia já sabia bem que estavam lidando com formas outras de magia. 
No afã de agarrar um deles, Rufus Lightfoot viu que apesar de sua habilidade, os animais escapavam com destreza, mesmo das mãos mágicas. Ainda assim, ele trombou em algo que não enxergava, como se houvesse um outro peixe ali, mas invisível. A mulher githyanki se dirigiu para a porta a esquerda , que era vermelha. Passou a se concentrar e usar seus poderes psiônicos. 
Aos poucos eles foram conseguindo encurralar os peixes, até mesmo o invisível, fosse por sorte ou por azar. Uma a uma as portas foram revelando o que escondiam. Da porta azul apareceu um eladrin,
celestiais de Arborea, que trazia ervas e incensos nas mãos, além de um sorriso bucólico. Da porta amarela emergiu um furioso anjo solar
dos Sete Céus, que gritou ameaças e atacou Derdeil Óphodda tão logo pode, A porta vermelha revelou um temível balor do Abismo, que usou seu chicote de fogo para atacar a githyanki, quando esta enfim abriu a passagem com seus poderes psiônicos. Da porta roxa emergiu um monstruoso ser abissal com membros longos e desproporcionais, além de duas cabeças de chacal. Da porta verde, veio um equinal, um celestial que parecia um poderoso cavalo hominídeo de corpo tatuado. Mari'bel conseguiu ingressar pela passagem e vislumbrou um mundo magnífico e bucólico, os Campos Elíseos. Era como ver o mundo das fadas mais uma vez em todo seu explendor.
No entanto, rompendo aquele êxtase, o celestial alertou a pequena fada do erro do deus das fadas ao vincular o reino extraplanar dos seres feéricos a um plano material qualquer, mesmo que Abeir-Toril fosse seu lar. Por mais que fosse difícil para ela aceitar, o equinal Pésdypano explicou como o destino dos planos materiais era desaparecer e, assim, este passara a ser o destino do plano das fadas. 
A porta do peixe invisível era marrom e sua abertura permitiu a chegada de um inevitável. O ser geométrico e insensível usou seus poderes para aprisionar a githyanki num casulo de força e levou-a dali ao mesmo tempo que o anjo solar caiu em carga sobre o mago Derdeil Óphodda.
- Você vai pagar por seus crimes - ele gritou em celestial.


15 de ago. de 2015

Os piratas do plano astral


Depois de responder a Derdeil e não receber novas palavras do mago, Rufus teve certeza que não aguentaria o bardo Sérgio Reis por muito mais tempo. Ele começou a andar sendo acompanhado por Ohterrível, quando viu a estranha mulher sem nariz de antes aparecer magicamente de novo.
- Há algo de especial em vocês que sobreviveram às valquírias... - ela disse para Sérgio, que abriu um largo sorriso.
- Você ia perceber isso inevitavelmente, mulher. Todas percebem.
- Mesmo com esse comportamento estúpido, podemos usar bem os poderes de vocês...
- Mas quem são vocês? - Quis saber Rufus retornando.
- Nós somos piratas do plano astral...
- Piratas?!? - Animou-se Rufus puxando um tapa-olho... - Onde está o monge com o rum?
- Sim... somos desgarrados do nosso povo que é controlado por uma rainha morta-viva secular. Comandamos os verdadeiros poderes mágicos.. aqueles que vem de nós mesmos.. de nossas mentes...
- Poderes psiônicos... - completou Sérgio. - Você é uma githyanki...
- E em que podemos ser úteis para piratas? - Questionou Ohterrível.
- De você, jovem dragão, queremos todo o seu ouro, gemas e itens de valor... - respondeu a mulher com um sorriso que enfatizava a ganância.
- Negócio fechado! - Retrucou o dragão prontamente, que só depois frustrou a mulher ao revelar não ter mais do que 18 moedas de bronze, mesmo sendo um dragão.
- E de nós? - Perguntou Rufus.
- Nós queremos as almas de vocês...
- Porra, tudo é alma agora? E pra que almas?
- Almas são comodites muito valorizadas no mercado... - insistiu a mulher. - Se quiserem estar conosco esse é o preço.
- Nada feito - refutou Rufus.
- Eu aceito... - disse Sérgio. - Mas se somos especiais como você está falando.. eu quero que pela minha alma, eu e o hobbit possamos ser piratas do plano astral!
- Está bem... - concordou a mulher sacando um rubi e sugando a alma do bardo para ela, enquanto a boca de Ohterrível salivava.

Ainda que aquele pontilhado do que fora a Torre Central de Halarah, também chamada de Torre da Ciência Absoluta, flutuasse diante deles, Derdeil Óphodda e Mari'bel perceberam o grande alçapão no chão, similar àquele que encontraram sob as ruínas do templo da Adama. A fada da Grande Floresta usou toda a sua força, mas logo percebeu que precisaria de muito mais. Derdeil sugeriu que usasse uma alavanca, algo como uma espada, que a magia do netyarca Procópio Excelsior terminaria o serviço. E assim foi. Tão logo o alçapão se moveu, a magia se encarregou de puxá-lo para o alto, fazendo-o ficar perpendicular à passagem.
- Irei buscar um pedregulho para garantir que não vai fechar depois que passarmos... - disse Mari'bel.
Derdeil, no entanto, percebeu que o arquimago não se dirigira a eles, mas sim voara para o que seria o segundo andar da torre. Bastou um pensamento para que seu familiar, o corvo Edgar voasse também para averiguar e visse com clareza, Excelsior se dirigir para um baú. Nele havia o brasão de um grande Z, além de ser a única coisa intacta no ambiente. Havia fragmentos e fuligem dos outros móveis, mas todos destruídos. Apenas o baú parecia ter se salvado do ocaso da torre.
Mari'bel tentou arrancar uma das enormes pedras que flutuavam conformando o espectro da torre, mas elas simplesmente não se moviam por mais força que fizesse.
- Terei de ir lá fora... tudo aqui está preso no lugar... - gritou a fada para Derdeil.
- Edgar, encontre algo que impeça o alçapão de fechar..
- Sim, mestre... - disse o pássaro preto redirecionando sua atenção.
- Ó nobre netyarca Excelsior... o que há aí em cima? - Indagou Derdeil, que já percebera que a magia era muito mais do que uma reversão de gravidade. Se tratava de um efeito épico com toda a certeza.
- Algo que pode nos guiar nessa jornada... - limitou-se a responder o arquimago, que usou de uma magia para estuporar o baú,
Como Mari'bel logo encontrou uma pedra grande o suficiente, Edgar aproveitou para retornar e observar o que fazia o netyarca. Porém, o familiar apenas viu que ele guardara tudo em uma pequena bolsa mágica.
- Diga.. diga.. o que há aí Procópio? - Falou o pássaro. - Vejo que você continua sem um familiar...
- Saia daqui sua ave agourenta... - repeliu-o Excelsior enquanto levitava em direção a escadaria onde Derdeil e Mari'bel já aguardavam. - Para que isso? - Disse se referindo à pedra que a fada posicionara.
- É para garantir se algo der errado lá embaixo... - ela respondeu.
- Caso a magia falte por um instante... - acrescentou o escolhido do deus da magia se referindo a área de magia selvagem.
- Isso não é um problema pra mim... - gabou-se o netyarca Excelsior no justo momento em que a magia parou de funcionar. Tudo começou a ruir e o alçapão desceu pesadamente sendo seguro pela pedra. Derdeil Óphodda, Mari'bel e Edgar desviaram dos escombros que caíam, mas o arquimago foi atingido e caiu no chão.
- É agora, mestre... nossa chance!!! - Gritou Edgar na mente de seu senhor.
Em um instante, entretanto, a magia voltou. Bastou a Excelsior se concentrar para interromper a queda e tudo voltar ao seu lugar. Ele apoiou-se no cajado para se levantar.
- Algo assim... - disse Mari'bel enquanto começavam a descer.
A escadaria era antiga, mas a guardiã de Timothy Hunter percebia rastros de alguns dias atrás da mesma forma que antes. Não eram os mesmos rastros, mas eram humanos com cajados em sua maioria, com idade mais avançada. . Edgar adiantou-se e deparou-se com um aposento grande, onde haviam treze estátuas grandes e similares às que os haviam atacado anteriormente. Bastou ele adentrar o aposento para os golens de pedra tentarem alcança-lo, obrigando-o a recuar.
- Há muito razão e sabedoria em suas ações... - disse Excelsior, enquanto Derdeil usava seus poderes e conhecimento de clérigo para curá-lo. - Além de um arcano, é também um manipulador de poder divino. Ainda que o verdadeiro poder esteja com os arquimagos, há poder nos lacaios que manipulam o que é mastigado pelos deuses. Você é um teurgísta místico?
- Sim... - disse Derdeil. - Não me furto a nenhuma forma de servir ao grande Rhange Hesysthance, senhor da magia. Afinal de contas, todo mago só manipula a magia pela graça do Altíssimo.
- Isso certamente pode ser um benefício para a reconstrução de Halruaa... - continuou Excelsior. - Você deveria ser posto como um dos elderes. Precisamos de conselheiros com sua capacidade, Óphodda.
- Seria uma honra, nobre nethyarca.. - disse Derdeil vendo que o velho buscou a bolsa e tirou um amuleto com a mesma insígnia em Z do baú.
- Isso irá garantir a passagem... servirá para lidar com as estátuas!
- Edgar!!! - Disse Óphodda chamando seu familiar e entregando o amuleto. Porém, assim que o amuleto foi ativado, as estátuas cresceram, ficaram mais ameaçadoras e seus olhos emitiram um sinistro brilho vermelho. Nesse momento, o nethyarca Procópio Excelsior se teleportou para longe dali. O corvo recuou, mas isso não deteve as estátuas que seguiram avançando. Mari'bel tentou tirar Derdeil dali, mas o mago pediu que esperasse.
Usando seus poderes de escolhido da magia, Óphodda invocou uma porta dimensional que deveria levá-lo para a porta do outro lado do aposento. A magia selvagem que cobria Halarah afetou a conjuração e ele conseguiu colocá-los do lado de cá da porta, ainda fechada, à mercê dos inimigos. Edgar tetou abrir a fechadura com seus talentos ladinos, enfiando seu bico pela fechadura arcaica. Ele conseguiu destravá-la, mas viu um efeito de transmutação acertá-lo. Onde antes havia o corvo, estava agora um escamoso kobold.
As estátuas tornaram a avançar. Mari'bel despejou ataques de oportunismo com flechas capazes de emaranhar os golens por alguns segundos. Os três primeiros foram assim contidos, mas o quarto lançou-se sobre ela, que conseguiu desviar-se, vendo o inimigo afundar a mão na parede de pedra onde ficou preso. O quinto, por sua vez, acertou-a com um golpe firme fazendo-a sentir o peso da ameaça.
Derdeil resolveu livrar-se da armadilha mágica com um dissipar magia. Dessa vez, a magia selvagem engrandeceu o efeito ao ponto de desligar não só a armadilha mágica, mas até mesmo os golens, além de outros efeitos e itens mágicos. Mas não devolveu Edgar à sua antiga forma, o que deixou claro que o efeito era permanente. Ainda assim, ele abriu a porta com mais facilidade agora que tinha mãos.
Eles passaram a outro corredor com uma escada descendo e ao fim, outra porta.
Rufus Lightfoot e Sérgio Reis, marujos piratas do plano astral seguiam com seu bando agora. A mulher havia teleportado-os com seus poderes psiônicos até o restante do grupo, quatro outros machos da espécie dela, liderados por um capitão chamado de Capitão Uber. Além destes, haviam cinco outros cujas feições se escondiam sob mantos como o de monges reclusos. Nem mesmo enfiando a cara abaixo deles, Rufus conseguiu perceber algo de seus rostos.
- Isso aqui tá muito estranho... - disse o hobbit-aranha.
- Você ainda não viu nada... - alertou o Capitão Uber em sua mente.
Haviam viajado por horas, que pareciam dias, ou talvez fossem semanas, não conseguiam ter noção de nada ao certo até avistarem o lugar para onde se dirigiam, ou melhor, o não-lugar como fora chamado pelos githyankis.
- Não-lugar? Mas o que couves-de-bruzelas é um não lugar? - Questionou Rufus.
- É um lugar que não existe em si, mas na congruência limítrofe entre os lugares. Um ponto escanteado entre os nodais da existência... - disse a estranha mulher.
- Ah,.. não entendi.. - insistiu o ladino.
- É como se fosse um cantinho esquecido de vários planos... - avaliou Ohterrível.
- Uma vez lá, vocês não devem falar com ninguém. Entenderam? Qualquer um com quem falarem terá poder sobre vocês! - Comandou Uber. Rufus e Ohterrível concordaram.
- Pode deixar, patrão. Não falar é comigo mesmo... - disse o Sérgio Reis, que estava muito pálido desde que perdera a alma.
Diante deles havia uma colossal rocha flutuante como uma parte de uma montanha. No entanto, não estava presa ou ancorada a nada. Também não se via rocha nua que fosse, pois sobre tudo haviam barracos e construções precárias de no máximo dois pavimentos, muitas das quais escoradas umas nas outras. Tudo era caótico e desordenado, sem ruas ou avenidas. Também não haviam praças e jardins, mas apenas uma contínua favela conjugada.
Eles se dirigiram diretamente para uma taverna, que era a maior construção naquela ilha surreal. Ao entrarem, o lugar estava repleto de githyankis que lutava, jogavam, bebiam e consumiam toxinas. A maioria do que se passava ali era ininteligível para Rufus, Sérgio e o dragão. Mesmo assim, o bardo sacou seu berrante e tocou anunciando:
- Eu sou Sérgio Reis, o cãozinho do berrante...
- Cale-se, seu imbecil! - Disse a estranha mulher dando-lhe um tapa.
O Capitão Uber parecia ser o próximo a punir Sérgio Reis, mas antes disso, alguém naquela multidão o convocou:
- Aí está você, Uber. Como foi sua jornada e que homenagens tem para me oferecer?
- Nossa viagem foi bem aventurada, grande Haplika Tyvo. Encontramos um plano material que se aproxima do fim e cujas energias podemos canalizar para nosso objetivo.
- Um plano material? - O sujeito que parecia uma espécie de senhor daquele lugar se ergueu já deixando a raiva aparente.
- Si.. sim... sim, barão. Este humano nos garantiu que seu mundo está perto de fim, não é Reis?
- Ah sim.. pertíssimo... tudo culpa dos elfos, sabe.. - começou a tagarelar Sérgio Reis. - Sabe como são esses elfos com esses títulos de nobreza idiotas, picuinhas familiares e perspectivas pequenas. Estão acabando com tudo... todo elfo é corrupto e ladrão. E o que merecem os ladrões? Serem punidos... todos... sem exceção...
- Cale-se.. - silenciou-o a estranha mulher githyanki.
- Nós precisamos de pelos menos dez planos! - Exaltou-se o barão Haplika Tyvo. - EU MANDEI VOCÊ ENCONTRAR DEZ PLANOS!! E VOCÊ ME VOLTA COM UM?!?
Enquanto ele ia falando, o Capião Uber começou a flutuar e engasgar como se uma mão invisível apertasse sua traqueia. Ele se contorcia como se estivesse prestes a morrer.
- Eu... irei... conseguir... - Uber gemeu.
- Essa é sua última chance! - Tyvo o soltou e logo o burburinho substituiu o silêncio que o encontro gerara.
Os piratas do plano astral se apressaram em deixar o lugar.

A alma de Kaliandra Boaventura viu-se não mais na imensidão enevoada do plano astral, mas em uma planície apinhada de criaturas. Era difícil entender alguma coisa no caos de seres em que surgiu. Haviam muitos humanos, mas também alguns hobbits. Os humanos corriam e tentavam se refugiar, ao mesmo tempo em que cantavam preces para Chauntea:
- Debulhar o trigo... recolher cada bago do trigo... forjar no trigo o milagre do pão...
Os hobbits tentavam escapar por baixo no chão duro e cinzento, enquanto clamavam por Yondalla:
- Início está atrás, o mundo à frente... há muitos caminhos a trilhar... através de sombra, para a borda da noite... até que as estrelas estão todas acesas...
Em meio ao turbilhão, Kaliandra percebeu a centena de demônios que voavam acima de sua cabeça. Um deles desceu em carga e agarrou a alma que estava ao lado dela. O pobre servo de Chauntea gritou em agonia, enquanto era absorvido pelo monstro.
Estava nas Planícies Cinzentas, tinha certeza, mas não havia sinal de nenhum deus que fosse resgatando as almas de seus fiéis. Apenas demônios ceifando almas. Ela pensava sobre o que devia fazer, mas antes que pudesse reagir, um vrock a agarrou e a carregou para o alto. A trovadora da espada lutou para se libertar, mas o demônio urubuzento já começava a absorvê-la. Ele só foi detido porque de uma rasgo no espaço-tempo surgiu uma magnífica mulher pronta para a batalha. A valquíria decepou a cabeça do vrock com um só golpe e tomou Kaliandra para si.
Em um piscar de olhos, as duas estavam em um amplo salão. Todo o espaço central era ocupado por uma enorme mesa de madeira rústica sobre a qual haviam incontáveis pratos e bebida. Muitas mulheres celebravam e cantavam ao redor da mesa. Nas paredes, expostos como troféus, haviam infindáveis cabeças de animais, humanoides e outros seres.
- Quem é você? - Disse a valquíria para a alma nua de Kaliandra.
- Eu sou Kaliandra Boaventu... - antes que a elfa terminasse, a mão direita da ceifadora de almas já calara sua voz com um golpe esmagador no maxilar. Veio outro na boca do estômago e um terceiro como um martelo que a jogou no chão.
- Não existe mais Kaliandra! Você é uma valquíria!!
Kaliandra lutou contra dor e tentou se levantar, pensando que o vrock não parecia tão ruim agora.
- Qual é sua missão? - Insistiu a valquíria.
- Eu devo salvar meu mundo e... - um chute da valquíria acertou Kaliandra no peito e jogou-a contra a parede como se fosse uma boneca.
- Sua missão é a missão das valquírias! Nada mais. Você que ama Derdeil Óphodda deve aceitar as verdades e não mais lutar contra elas. Você precisa, porém, pagar o preço de sua iniciação! Deve provar que merece ser uma de nós!
- E... o.. que.. devo... fazer? - Gemeu Kaliandra.
- Para se tornar um espírito da vingança, você deve buscar a alma de Shei Long, cuja existência marcou a sua e pede pagamento em sangue por seus crimes. Traga a alma dele após ceifar sua vida e sua alma ascenderá novamente a Valhala. Fracasse e nada restará de sua existência em lugar algum do multiverso.
- Assim farei... - Kaliandra ajoelhou-se.  De repente, seus cabelos se tornaram prateados, assim como uma armadura de placas e uma grande espada surgiram sobre seu corpo. - Obrigado, senhora.. - a elfa disse erguendo os olhos, mas viu que já estava em um lugar inóspito enevoado. De volta ao plano astral. Ao longe, ouviu uma discussão:
- Sua estupidez poderia ter custado nossa existência! - Protestava uma voz feminina familiar.
- Você está dizendo que um reles humano como eu poderiam complicar seres tão poderosos? - Ela reconheceu a voz de Sérgio Reis em tom irônico. - Afinal de contas, vocês que disseram que eramos especiais, que nos queriam, pegaram alma e tudo mais. Depois querem depoimento pro barão... parece que vocês não sabem bem o que querem, não é mesmo?
- Nós não dependemos de vocês para nada, mortal idiota! - Enfureceu-se a mulher.
- Isso é discutível... você mesma disse que a minha alma é uma mercadoria de valor.. e fizemos um contrato, então acho que tem que cumprir seu papel e parar de dar piti - provocou Sérgio Reis.
- Xiiii.. - disse Rufus vendo a mulher ir até o bardo e golpeá-lo com violência.
- Sem a alma isso não doí tanto... - relevou Sérgio.
- Tome sua alma.. - disse a mulher pegando o rubi. - Suma da minha frente.
- Na na ni na não. Vai quebrar o contrato? Tem clausulas contra isso... multa.. juros.. não é assim não. Tu te tornas eternamente responsável pelas almas que roubas... já dizia o pequeno príncipe de algum lugar...
- Sérgio... Rufus... - gritou Kaliandra que apareceu correndo.
- Kaliandra, está viva?
- A valquíria levou sua alma.. - surpreendeu-se a githyanki, que ainda estava ali, enquanto o restante dos piratas já ia mais à frente.
- Bem, ela ficou com meu corpo, mas liberou minha alma para buscar vingança contra Shei Long... precisamos voltar para Faerun. Para Myth Drannor.
- A gente podia se juntar, Kaliandra.. - se insinuou o pálido Sérgio Reis. - Você é uma alma sem corpo... eu sou um corpo sem alma... que tal viver em mim?
- Deixe de idiotisse, seu imbecil... eu preciso de ajuda de Bibiana.. - e com seus poderes arcanos, Kaliandra Boaventura enviou uma mensagem mágica na esperança de que por estar no plano entre os planos, que a mensagem chegasse à sua deusa. - Senhora dos elfos, escute sua filha e me devolva a Faerun para que a esperança possa ainda existir.
Não houve resposta.
- Eu tô sempre aqui pra você.. -insistiu Sérgio.
- Você que também é um deus dos elfos tem o dever de olhar por seu povo... - disse a elfa mudando de alvo e conjurando nova magia de mensagem. - Me devolva para Faerun e mostre de que lado está.. Rhange Hesysthance.
Não houve resposta. Mas Kaliandra viu que não havia mais nevoa ao seu redor. Estava em uma escadaria arcaica acompanhada de Rufus, Sérgio, Ohterrível e da githyanki. Uma porta se abriu atrás deles.
- Mas o que diabos... - disse Derdeil Óphodda vendo seu aliados.



8 de ago. de 2015

A espadada das valquírias

A batalha contra os demônios foi breve. A cantoria de Sérgio Reis, a espada arcana de Volcana, a furtividade mortal de Rufus e a baforada do dragão Ohterrível deram conta do quarteto demoníaco, antes que causassem maiores danos.
A trovadora da espada usou seu conhecimento dos planos para conseguir localizar-se na vastidão erma e sem referências do plano astral. Ela sabia que o plano era na verdade o espaço entre os planos, um lugar-fronteira que tinha seus próprios habitantes, mas que acima de tudo servia como caminho a todas as viagens planares. Ainda conseguia saber a direção do plano dracônico de onde vieram e tinha em mente que dali poderiam conseguir algum portal ou fissura planar que os devolvesse até Faerun. Sabia que, na verdade, poderia chegar a qualquer lugar. Até mesmo ao plano de Bibiana.
Ainda assim, a elfa e o bardo precisavam descansar para recuperarem suas magias. Mas Kaliandra sabia que ficar parado no plano astral não era seguro. Isso aumentaria as chances de encontrarem algum inimigo errante.
- Entrem nos sacos de dormir e eu puxo... - disse Rufus dando pirueta e brincando com a falta de gravidade.
- Muito bem pensado, Rufus.. - concordou Ohterrível. - Aqui vocês serão leves como plumas... ou pipas...
- Acho que podemos rachar um saco de dormir e nos consolar pela perda de nossos entes queridos, Kaliandra. Afinal de contas isso é tudo culpa dos elfos mesmo... - disse Sérgio Reis se aprochegando.
- Mais fácil eu rachar a mão na sua cara, Sérgio... - disse Kaliandra empurrando-o.
Depois de alguns minutos, Rufus e o dragão saíram puxando os dois aliados que dormiam um sono sem sonhos. Durante o caminho que parecia sair do nada e levar a lugar nenhum, os dois aproveitaram para papear. Apesar de se manterem atentos e em alguns momentos terem a cautela de inspecionar vultos que iam surgindo no ambiente enevoado, descobriram não ser nada além de aerolitos.
- ... e daí que não sei se vale a pena voltar pra Faerun já que a coisa tá tenebrosamente ultra lascada e enteiada por lá. Pensei que desse pra achar algum lugar assim mais de boa...
- Não me é estranho o nome que tem esse seu plano material. Mas ouvi algo assim como Abeir-Toril... - retrucou o dragão interessado.
- Toril acho que é o tudão junto onde o meu tudo fica... - ponderou Rufus tentando se lembrar algo das aulas de geografia para além dos belos bolinhos que sua mãe fazia.
- Existem infinitas outras possibilidades de planos materiais por aí... - explicou Ohterrível. - Eu mesmo agora que saí do lugar da onde vim e de onde nunca saí, onde representava a representância primeira da jovialidade do começo dos dragões, assim como uma infância, na falta de palavra melhor, tenho que achar algum lugar pra ir...
- Você pode vir com a gente... - animou-se Rufus. - Eu perdi meu cachorro, o Azuzu II e...
- Eu preciso conhecer as coisas agora... - filosofou o dragão. - Já que me desapeguei de uma existência representativa e ideal por uma concretude limitante e limitada, só me cabe errar e sentir o que pode vir disso como o fazem vocês, não é mesmo?
- É... - sacudiu a cabeça o hobbit.
- Existe um interessante plano material chamado Krynn. Lá os dragões são seres magnânimos. Deuses plenos diante de todas as outras espécies de seres viventes.. acho que lá é uma boa opção... - seguiu explanando Ohterrível e deixando Rufus cada vez mais animado com a ideia de que tinha um dragão e que eventualmente ele aceitaria ser chamado de Azuzu III. - Você não teria umas peças de platina, teria? Bateu uma fome aqui e faz tempo que não provo umas..
- Xiii... acho que não.. você come platina? - Estranhou o ladino hobbit-aranha.
- Claro.. uma iguaria rara... prefiro gemas... uns rubis.. até me dá calor na boca sabe... deixa o nosso fogo mais vivo. Mas diamantes são o prato mais apreciado por nós dragões metálicos.
- Achava que vocês juntavam pra dormir em cima... - disse Rufus coçando a cabeça.
- Ah, isso é coisa de dragão cromático.. da galera de Tiamat sabe. Até os dragões gêmicos curtem uma comidinha mineral. A gente até come carne se precisar, mas não é a mesma coisa. Tem tudo o mesmo gosto...
- Peraí então.. - falou Rufus indo até o adormecido Sérgio Reis. - Taqui ó... - disse ele entregando uma moeda. - Melhor economizar que não sabemos quanto tempo vamos ficar por aqui né...
Ohterrível devorou a peça de platina com avidez e Rufus Lightfoot percebeu que o dragão parecia maior do que algumas horas atrás quando o conhecera. Mais algumas horas se passaram, até os dois usuários de magia despertarem.
- Montaria fanstamagórica! - Gritou Sérgio Reis conjurando um cavalo espectral para montar. - Só pode ser montada por um, mas posso chamar outro...
- Melhor guardar. Podemos ir amarrados em você... - avisou Kaliandra.
- Eu sei que você se amarra em mim, Kaliandra... - disse Sérgio prontamente.
- Eu vou tirar uma soneca, que também sou filho de Yondala.. - resmungou Rufus pegando o saco de dormir.
- Vou aproveitar a deixa também.. - disse Ohterrível.
- Está bem.. eu puxo vocês.. - disse Kaliandra.
Eles cavalgaram velozmente por mais algumas horas até Kaliandra Boaventura e Sérgio Reis avistarem vultos não muito distantes.
- Fique preparado, Sérgio.. - alertou a elfa se posicionando para uma eventual batalha e sacando a espada.
- Eu já nasci pronto, meu bem... - não conteve o falatório o bardo.
- Quem são vocês que se aproximam? - Arguiu a voz na língua dos celestiais, o que tranquilizou um pouco a dupla de viajantes.
- Queiram desculpar nobres falantes da mais bela das línguas, mas somos refugiados de Faerun que buscam um meio de retornar para casa.. - retrucou Kaliandra com toda a diplomacia possível. - Precisamos de ajuda.. eu sou Kaliandra Boaventura, trovadora da espada e capitã de Myth Drannor.. e este é Sérgio Reis, um bardo que me serve...
- O cãozinho do berrante... - interrompeu o bardo com petulância.. - Estamos aqui por culpa dos elfos que devastam nosso mundo e...
- Cale-se, seu idiota! - Cortou-o Kaliandra. - Não escutem meu lacaio, ele é um tanto lerdo. Se puderem nos ajudar a encontrar algum portal, nobres celestiais..
Um dos vultos se aproximou e puderam ver que era uma estranha mulher extraplanar. Ela vestia um manto cinzento e placas de metal esparsas. O rosto era como o de um réptil, verde e com escamas, embora numa forma humanoide.
- De graça eu posso orientá-los. Mas dizer apenas posso como chegar num plano mais próximo. Com pagamento eu posso dizer-vos como no plano vosso chegar.. - ela disse de forma rebuscada e com um ar de enfado que era indisfarçável.
- E qual é o seu nome nobre senhorita? - Kaliandra fez uma reverência.
- Meu nome não lhe interessa ou compete. Decidam!
- E como poderíamos pagar? - Questionou a trovadora da espada.
- Meus serviços sexuais são famosos e podemos fazer uma suruba gostosa.. - interviu o bardo.
- Cale-se, imbecil!!! - Envergonhou-se Kaliandra.
- Kaliandra Boaventura é um nome poderoso.. eu aceito o seu nome como pagamento - disse a estranha mulher.
- Meu nome. Que coisa estranha.. - disse a elfa com desconforto. - Como poderia pagar com meu nome? Não creio que possa dispor dele...
- Você aceita ou não?!? - Irritou-se a mulher.
- Perdoe-me, mas não posso fazê-lo.. disseram-me certa vez que eu, Kaliandra Boaventura, a última das Boaventuras, tal qual uma valquíria seria reconhecida e não creio ser justo desfazer-me de meu nome associado a um epíteto tão eloquente.
- Cuidado com o que diz, Kaliandra Boaventura. Pois as Valquírias são seres que não se deixam convocar sem que alguma alma venham ceifar em sua passagem. E se o mesmo ser três vezes as cita, elas surgem para cobrar pela convocação.
- Você pode pegar meu nome, tribufu sem nariz.. ou pegar em mim.. sou pau pra toda obra, se é que você me entende... - ofereceu-se o bardo, enquanto Kaliandra ainda refletia sobre o que ouvira,
- E de que me serviria um nome inútil como o seu? - Desdenhou a estranha mulher.
- Está me dizendo que se as Valquírias são citadas elas aparecem aqui e vão querer pegar a alma de quem falou a palavra Valquírias? - Retrucou Kaliandra. Mas ao final do últimos fonema, três inigualavelmente belas mulheres vestindo armaduras e empunhando espadas enormes surgiram acima deles.
Elas tinham os cabelos vermelhos como sangue e asas brancas. Uma tinha o elmo com asas, parecendo a líder. Mesmo as pesadas placas de metal não conseguiam esconder-lhes a beleza magnânima. Até mesmo Kaliandra sentiu a boca secar e a fala faltar ante a visão daquela tríade gloriosa. Houve apenas o tempo da estranha mulher sumir com uma porta dimensional, sendo logo seguida por seus aliados que ainda estavam nas brumas.
- Você, que chamam Kaliandra Boaventura, nos convocou aqui a este lugar entre os planos. Anuncie seus motivos e justifique sua ousadia ou sinta nossa lâmina cobrar sua vida!!! - Disse a mais bela e terrível das três valquírias.
Nessa hora Rufus despertou e não conseguiu ficar quieto em seu saco de dormir. Kaliandra buscou as palavras certas pra se dirigir à intimidadora mulher, enquanto o bardo se deixava tomar pelo êxtase.
- Queiram perdoar, nobilíssimas valquírias, mas recebi uma mensagem de que eu seria uma dia como vocês, mesmo que uma modesta trovadora da espada como eu certamente muito tenha que aprender para alcançar a vossa magnanimosidade. Ainda assim,  espero que compreendam minha imprudência já que estamos perdidos e deslocados no espaço-tempo e nosso mundo, meu povo e minha deusa dependem de que salvemos a situação - a elfa tentava usar da diplomacia, mas estava nervosa.
- Que tias lindas.. - falou Rufus saindo do saco de dormir, enquanto Ohterrível seguia dormindo.
- Eu chamei vocês aqui pra mostrar o que é um homem de verdade, agarrar nessas asas aí de vocês e fazer vocês conhecerem o céu... - disse Sérgio começando a se despir.
A líder das valquírias não atentou para os dois. Num piscar de olhos, ela estava em pé ao lado de Kaliandra Boaventura e sua espada pressionava o pescoço da elfa. A camada mais externa da pele já era cingida pelo fio perfeito da espada de duas mãos exageradamente grande e larga. A trovadora da espada sentia que se respirasse forte seria cortada.
- Você acredita que pode ser uma de nós? É preciso ser única e inigualável para chegar a Valhala. Nós iremos levar sua alma se não for merecedora - A valquíria encarou-a com fogo no olhar.
- Eu sou Kaliandra Boaventura, capitã da rainha Amídala Ancalimon, serva de Bibiana Crommiel. Eu não tenho medo. Eu não tenho nada a perder. Eu tenho um mundo e um povo para salvar!
Quando Kaliandra terminou de falar, a valquíria decepou sua cabeça se esforço algum. Antes que Sérgio e Rufus pudessem reagir, ela tocou o corpo e a cabeça e todas sumiram dali, deixando o bardo e o ladino sozinhos no plano astral.

Nas ruínas de Halarah, Derdeil Óphodda arriscou-se e adentrou o salão subterrâneo e arcaico que descobrira sob os escombros do templo da Adama. Imediatamente, as cinco estátuas tornaram-se animadas e investiram contra ele. O mago foi ferido, mas Mari'bel invadiu o aposento velozmente e o salvou dali.
- Melhor voltarmos... - ponderou a killoren.
- Esperem... - disse Edgar, o corvo familiar, que voou para dentro do aposento e passou a driblar as estátuas com movimentos arrojados. O pequeno pássaro preto conseguiu inspecionar os pedestais de onde os golens partiram e descobriu ali runas que guardavam cavidades protegidas.
- Retorne Edgar... - disse Derdeil no justo momento em que a magia inconstante que afetava tudo fez seus poderes faltarem por alguns segundos. Mesmo assim o familiar retornou. - Vamos tentar a sorte em outro lugar.. não faz sentido nos matarmos diante de tal ameaça... - ele usou uma magia de cura para recuperar-se graças aos poderes de clérigo do deus da magia.
- Podemos buscar outros rastros.. - disse Mari'bel que dissera que os rastros de alguns dias atrás eram de magos halrunianos poderosos e que passaram das estátuas, mas que vira também que estas já haviam se movido pelo aposento quando da chegada dos primeiros rastros.
Ao deixarem as escadas, apesar da negrura do céu sem sol, lua ou estrelas, eles viram algo de diferente pairando acima da cidade. Mesmo com a magia selvagem como estava, o sujeito não parecia perturbado enquanto inspecionava as ruínas do alto. Derdeil clamou por seus poderes de escolhido e enviou uma magia de mensagem, porém as palavras saíram diminutas e próximas. Tentou mais uma vez e, dessa vez, o efeito foi épico.
- Saudações, camarada. Chegamos aqui e encontramos tudo destruído como está. Precisamos de sua ajuda, pois somos enviados do grande Rhange Hesysthance para salvar Halruaa.
No entanto, estas palavras de Derdeil Óphodda, escolhido do deus magia, não chegaram apenas aos ouvidos do sujeito, elas encontraram centenas de outros destinatários em terras longínquas e até mesmo em outros planos. As respostas chegaram todas em uníssono e se não fosse a inteligência sobrehumana de Derdeil, ele não compreenderia nada.
- Halruaa? Porra Derdeil, cortaram a cabeça da Kaliandra, carregaram o corpo e eu to preso no plano da nevoazinha com o bardo chato... mas Azuzu III tá mandando um... - chegou a voz de Rufus Lightfoot.
- Isso é tudo culpa da sua maldade satânica, verme Óphodda. Você e seu deus sentirão a fúria do meu arco quando eu alcança-los! - Ameaçou Shei Long.
- Ajuda? Quem tá falando? Que maldição é essa? Não bastassem esses pernilongos malditos, agora isso!
- Derdeil Óphodda, nosso salvador. Aqui é Zalathorm e estou sob as ruínas de minha torre. Preciso de sua ajuda para me libertar! Venha logo - soou a familiar voz do nethyarca supremo de Halruaa.
- Eu logo estarei aí e prenderei-o em minha teia como a mosca que és, pequeno mago. Você sentirá o peso de brincar com a nova senhora de tudo - chegou a voz sinistra de Lolth, deusa das aranhas.
- Aklynx orzbud frietre minivante obirivitz assitrirgs freneder algorque bomborreh calocac ausdoerboros.
- Eu sou Ryolith Fox e preciso de ajuda em Forte Zhentil. Suzail caiu. Cormyr caiu. As Terras dos Vales foram devastadas!
- Os espíritos de Rashmen esconjuram-te forças nefastas e não naturais. Que o ciclo eterno da vida sem fim o faça parar de destruir o que o cerca.
- Juntem os cavalos, meus irmãos, pois o presságio dos deuses chegou enfim após as trevas. Cavalguemos! Cavalguemos para o nascente! Cavalguemos para...
- Eu sou o netyarca Procópio Excelsior, da fidalga família fundadora deste reino. Eu o reconheço embaixador Derdeil Aproxime-se, pois folgo em ver que há outro sobrevivente... - retrucou o recém-chegado.
Assim foi feito. Quando Derdeil, Edgar e Maribel já estavam próximos, o arquimago desceu e se dirigiu a eles:
- Precisamos de ajuda para obter respostas. Quando chegamos estava tudo destruído.. - explicou Derdeil.
- Isso é o que você diz? - Retrucou Excelsior, cuja família, Derdeil sabia que além de tradicional, era a única que defendia as atitudes de Karsus, quando da queda de Netheril. Os Excelsiors culpavam Mystrul, o primeiro deus da magia, por deixar-se e vencer e levar à derrocada do império de magos.
- Sou o escolhido do deus da magia e fui enviado por ele para resolver a situação de nossa terra natal, netyarca.
Ao invés de responder, Procópio Excelsior conjurou uma magia necromântica, um dedo da morte sobre Derdeil. Aquilo roubou a vitalidade do mago e clérigo, mas sua alma não aceitou partir do corpo.
- Você está louco? Queria me matar? Pensei que eramos aliados? - Gritou Derdeil, enquanto Mari'bel já sacou seu arco.
- Você passou no teste. É mesmo quem diz ser... afinal de contas, o escolhido do deus da magia nunca seria morto por uma magia, não é mesmo?
Mas antes que houvesse resposta para aquela pergunta retórica, de todos os lados surgiram mortos-vivos demoníacos. Pareciam-se com carniçais, mas traziam as energias nefastas do Abismo. Enviados de Lolth eles perceberam.

Mari'bel passou a fazer chover flechas sobre os inimigos, enquanto Derdeil lutou contra magia selvagem para detonar bolas de fogo sobre os inimigos. Eles fugiram para junto de Procópio que varreu parte dos inimigos revertendo a gravidade e arremessando-os para o céu. Os monstros chegaram a ficar próximos, mas não resistiram a tanto poder.
- Não podemos perder tempo... - disse Procópio.
- A aranhuda vai mandar mais... - disse Mari'bel transbordando seu espírito de vingança contra sua maior inimiga.
- Temos de resgatar Zalathorm. Ele está sob a Torre Central - avisou Derdeil.
Eles urgiram para o centro da cidade em ruínas. Mas antes que adentrassem os escombros da torre do governante de Halruaa, o arquimago Procópio Excelsior novamente reverteu a gravidade. Isso fez as imensas pedras flutuarem e formarem como que um quadro impressionista do que fora a torre outrora.


1 de ago. de 2015

Todo império perecerá...

Mari'bel sentia-se confiante mesmo com a chegada daquelas trevas. Não era a primeira vez que vira aquilo acontecer. E as forças da vida e da luz sempre achavam um caminho para triunfar, Ela sabia, no entanto, que só estariam realmente seguros em Myth Dranor, onde ela já sentia que o poder expandido do mythal estava amparando os elfos e seus agregados.
Sem delongas, a killoren pegou a mão de Rufus e de Braad, que carregava o corpo morto de Volcana Boaventura, mergulhando na árvore mais próxima, como fizera para chegar até ali e para reunir os sobreviventes hobbits. 
Porém, dessa vez, algo estranho aconteceu. Ao se fundir à força vital de Cormanthor, que como uma rede perpassava todos os seres vivos que compunham aquela antiga floresta, ela percebeu que já se travava ali uma batalha. Um força estranha e nefasta maculava aquela positividade natural. O que quer que fosse, prendeu Mari'bel como uma teia, assim como seus aliados. Aquela energia negativa e amaldiçoante a impedia  de prosseguir ou de retroceder, ao mesmo tempo que ia se mesclando ao seu ser, como ia fazendo em cada ser vivente daquelas matas. Era como o princípio do fim.
- Não existe fim porque tudo sempre recomeça! A morte é simplesmente uma parte da vida! - Disse Maribel determinada. - Você não irá vencer esta batalha, prostituta das aranhas, porque Silvanus, Chauntea, e todas as forças naturais irão manter o equilíbrio deste mundo! Não há espaço para você neste meu corpo de killoren porque eu sou uma fada do reino de Timothy Hunter profundamente conectada com tudo que é verde, pois verde é vida! Volte para as profundezas escuras, lá q é o seu lugar (pir)aranha!!! Eu me liberto desta teia nefasta do mal!!!  - Urrou Maribel no fim.
Com toda a força de sua vontade, Mari'bel conseguiu se não se libertar, ao menos mover a energia que era e que carregava em si seus companheiros. Esse movimento foi o suficiente para libertar Rufus, Braad e o corpo de Volcana. A killoren os liberou, sentindo que recuperaram a materialidade que os conformava. Ela mesma, no entanto, sentiu a prisão se fechar ainda mais sobre ela, como uma mosca que ao tentar soltar-se da teia fica apenas mais presa.
A prisão energética era como um oceano e ela uma pequena gota de óleo, que não se misturava àquilo, mas que era contida por todos os lados. Um oceano de sangue, de negatividade, de sacrifícios. Seus pensamentos nas divindades da natureza, em seu deus das fadas sequer reverberavam além de sua própria mente.
- Eu sou amor. Eu sou luz. Eu sou vida. Silvanus, Chauntea, Timothy Hunter, Bibiana. - Este é o mantra que Mari'bel repete intermináveis vezes em sua cabeça com todo seu fervor. Se ela tivesse voz ela diria em voz alta, afinal seus antepassados já diziam, que o maior templo é sua própria voz. A intenção de killoren era jamais se misturar a esta nefastidão.
Foi quando repetiu seu mantra pela nonagésima nona vez que Mari'bel percebeu alguma mudança. Apesar de sua intenção, no fundo sabia que a força nefasta a continha, a tencionava todo o tempo.
- Entregue-se pequena fada. Como fizeram seus deuses vãos... como fizeram seus irmãos da floresta... como fizeram todos os falsos ídolos da superfície.. a existência não é um ciclo... mentiram para você... a existência é uma teia... uma teia gosmenta e infinita... entre os vãos da teia o nada prospera e nos fios da teia a vida definha. E agora a tecelã dessa teia resolveu desfazê-la. Tantos já foram sacrificados para alimentar meu poder... os Seldarine.. a noviça Bibiana.. Amaunthor... Selune... meus filhos... como poderia você, pequenina fada resistir?
- Eu resisto porque represento uma ideia que é muito maior do que eu e muito maior do q você. Eu sou amor. Eu sou luz. Eu sou vida. É verdade aranhuda, que você ganhou algumas batalhas, mas é de batalhas que se vive a vida. Quer  queira ou quer não, as aranhas são apenas uma das criaturas da natureza e suas teias são apenas uma entre milhares de formas de criar uma casa. Você tá tão engrandecida com sua própria soberba que acredita que toda a existência está de acordo com a sua verdade, mas eu, que sou um ser verde, de puro equilíbrio, com minha pouca sabedoria sei que a sua é apenas uma das infinitas verdades da existência. E como todas as verdades, ela tem o seu devido lugar... você e toda sua teia devem voltar pra lá, no fundo escuro. E é meu papel no momento me opor a sua pujança, porque eu sou amor, eu sou luz, eu sou vida. Silvanus, Chauntea, Timothy Hunter, Bibiana, Selune.
- Eu sou a Senhora das Aranhas... mas também sou a Senhora da Paixão, pequena fada... - Uma torrente de imagens e histórias invadiu a mente de Mari'bel, que sentia todo o peso do oceano a comprimi-la, como se fosse capaz de se não invadi-la, ao menos explodi-la em milhões de gotículas de óleo. - E agora sou a Senhora do Abismo, assim como serei a Senhora da Existência. Em breve até a serpente do infinito será uma presa em minha teia.. e cada pequenino sacrifício de pureza como você será um nó a mais em todas essas prisões para as entidades tolas que tentam resistir a mim!!!
- Seria um absurdo isso, não é mesmo? - Mari'bel escutou uma outra voz, masculina, que parecia familiar e desafiadora, como se já a tivesse ouvido em um sonho.
- Você de novo?!? Eu já o destruí duas vezes e destruirei de novo... - a voz de Lolth explodiu em ódio, enquanto a tensão sobre a fada diminuiu.
- Provavelmente... mas mesmo assim eu voltarei... mande lembranças pro mal que reside... - o que quer que prendesse Mari'bel se desfez. O fluxo energético seguiu.
Saltando de uma árvore, ainda aturdida, a fada se viu em uma área descampada... uma savana, aos pés de uma árvore solitária, caída sobre o capim dourado e alto. Não havia ninguém ali além de um sujeito envolto em uma manto cinzento, que escondia todo o rosto.
Ainda atordoada, Maribel olha primeiro para o chão, sente aquela terra sob seus pés. Seu coração aperta porque ela pensa se aquilo um dia já foi uma floresta. Mas ela se esforça pra se recompor o suficiente e busca olhar nos olhos daquele ser e perguntar:
- Você que me salvou, não foi? Deve ser um deus muito poderoso que me ouviu sem eu nem ter chamado seu nome... Eu lhe agradeço profundamente, com todo meu coração faérico e natural. Se puder me dar mais uma ajuda, me diga qual é a melhor forma que um pequeno ser como eu pode combater a aranhuda para que o mundo retorne ao seu equilíbrio natural?
- Não sou um deus.. - ele disse rindo com a voz rouca. Escondidos sob o manto, Mari'bel não conseguiu ver os olhos dele. - Acho que você deve continuar com seu serviço.. agora que foi tocada pelos deuses e teve toda aquela energia em você, sua existência só vai se complicar. Não é mais como os meros mortais, sabe... nem como as meras fadinhas cheias de purpurinas e coisas do tipo... quero dizer.. foi mal.. não sou muito bom nisso... - ele descobriu o rosto e Mari'bel viu um humano de pele pálida, bochechas fartas, uma barba engordurada e desgrenhada.
- Você tá dizendo então que, se antes eu achava q a gente tava sempre fodido e mal pago, eu sou inocente e não sei de nada, que é agora q a história vai começar?! - Mari'bel fez um momento de silêncio para a morte de sua inocência. - Mas eu gosto de ser uma fada purpurinada... que só dá flechadas em malditos drows.... eu não sei fazer nada além disso. - Mari'bel diz com um leve ar de depresão ao pensar no tamanho do buraco que ela está se enfiando. - Mas afinal, quem ou o que você é? Sua voz me é tao familiar... por quê me salvou?
- Tem um nome que eu tenho que usar... vem com o pacote.. mas eu não me prendo a essas coisas.. - Ele puxou fumo enrolado e acendeu sem qualquer chama. Apesar de algo nitidamente humano, Mari'bel percebia algo de diferente nele, muito embora não fosse celestial ou demoníaco. Era algo como os inevitáveis que vira questionar Rhange Hesysthance em Myth Drannor. Ou nem isso. - Sim, agora que as coisas complicam. Só fica mais difícil, se é que você me entende. Embora cada um jogue o jogo como quer... eu te salvei porque meu antecessor me falou em algum momento que quando rolasse o momento eu teria uma escolha... e que eu já sabia o que faria, só tinha que entender a escolha, porque não se vê além de uma escolha antes de entendê-la. Enfim.. não gosto da aranha maldita... e os planos dela não podem prosperar... quero dizer, prosperar mais...
- Malditos drows! - Mari'bel cuspiu no chão. - E eu entendo essa de não se prender a rótulos, por isso que eu gosto do puro equilíbrio, afinal, as florestas mais saudáveis são aquelas com maior biodiversidade, não é verdade? Mas quer dizer então que agora você entendeu a sua escolha, tá vendo além e pode me dar alguma dica de como atrapalhar os planos da aranhuda? - Riu Mari'bel, que estava gostando daquele sujeito, por mais que ele não falasse coisa com coisa, afinal, ela nunca conheceu um fumante que não fosse confiável.
O sujeito terminou de fumar com uma tragada mais longa e Mari'bel teve a impressão de que uma certa névoa o cercava agora. - Não entendo muito de floresta... sempre fui um cara urbano. O que eu tô vendo além vai até minha próxima escolha... se vou morrer por ter salvado você ou se vou recorrer a quem pode me salvar... seja como for, você está salva.. por hora. Seus amigos estão sendo atacados pelos drows em Myth Dranor nesse exato momento... ela partiu para o tudo ou nada, enquanto o amante amaldiçoado dela cuida dos deuses. O papel de vocês é mantê-la ocupada, achando que vai ganhar, enquanto cuidamos do outro.. ou melhor.. eles cuidam... agora tenho que ir... boa sorte. 
E dito isso, ele simplesmente sumiu como se nunca estivesse estado ali. Ao longe, Mari'bel viu um grupo de criaturas se aproximando velozmente. Eram quatro. Primeiro pareceram estar montadas, mas seus bons olhos viram que eram seres de quatro patas e um dorso humanoide, como centauros. Porém, aqueles seres que vinham na direção dela pareciam a mistura de humanos e leões... e ela se lembrou que já ouvira falar sobre os wemics do Shaar no extremo sul de Faerun.
Mari'bel se pôs furtiva e foi pra perto daquela única árvore, que tocou procurando sentir uma ligaçao. Ela sacou seu arco e manteve um pé encostado no tronco da árvore, enquanto observava os wemics se aproximarem. Ao tocar o tronco seco, grosso e retorcido da planta foi como se a conhecesse há muito tempo.
- Eles são boas, criaturas... nunca destroem as árvores.. - foi o que a killoren entendeu no farfalhar das folhas. Mesmo sem falar, aquele ser vivo se comunicava, como todas as outras árvores que Mari'bel conhecera, mesmo que não como as das florestas, tão habituadas a companhia. Essa árvore era um ser solitário, que sentia-se única em meio ao mar de capim dourado. - Não são amistosos como os pássaros, mas não são cruéis como os humanos... - Ela ainda dizia, quando a iniciada do arco percebeu que os wemics pararam e inspecionavam o ambiente como se procurassem por algo justamente na direção dela. A fada pensou que poderia sair dali pela árvore, mas dificilmente chegaria até Cormanthor, provavelmente saindo em outra árvore a algumas milhas dali... talvez conseguisse voltar para o norte com muitas viagens.
Um dos wemics soltou um rugido e eles se espalharam. O que rugira, que parecia o líder, veio diretamente no rumo da árvore, mas ainda sem vê-la. Mari'bel se manteve no vínculo com a árvore e diz mentalmente pra ela: 
- Você é linda sabia? Você é a primeira de sua espécie que encontro e você, com sua beleza e carinho, ficará para sempre guardada em meu coração! Muito grata pela informação! A killoren esperou o líder dos wemics seguir em frente mais alguns passos e com o arco em punho, mas apontado para o chão, saiu de seu esconderijo. Ela ainda mantinha o pé grudado no tronco da árvore para uma saída rápida se fosse necessário e gritou em silvan: 
- Procurando por mim, é? Me digam, qual o papel da Natureza na vida de vocês?
O wemic parou de se mover ao vê-la e a analisou com o olhar:
- Meu nome é Roar, pequena fada... sou um enviado de Nobanion, senhor dos leões e do Shaar...nosso deus nos enviou para resgatá-la... - Ele falava uma língua silvestre perfeita e empostada como se fosse alguém nobre, depois deu um rugido que atraiu os demais wemics de volta. - Venha conosco. Nossa xamã aguarda você...
Mari'bel guardou seu arco de uma maneira que ele percebesse que estivera pronta pra atirar nele caso não gostasse da resposta: 
- Agradeço o resgate, nunca estive tão ao sul e tava justamente me perguntando como iria fazer para voltar. Me diga nobre Roar, quem é esse seu deus que se importa com uma pequena fada do outro lado do mundo?

- Nobanion é um zelador do equilíbrio, pois mesmo o que caça deve zelar pelas manadas. - Roar disse com orgulho. - Certamente, deves ser uma fada importante no norte.
- Ou pode ter sido um pedido do deus das fadas... - interviu outro dos wemics, que parecia mais jovem e falava com menos pompa.
- Que tipo de fada é você? - Disse outro dos wemics aproveitando que o lider havia sido interrompido.
- Não é hora para conversa! - Roar determinou, enquanto Mari'bel tentava inspecionar os rastros que eles iam deixando, embora o capim alto atrapalhasse um pouco. - Nossa xamã terá suas respostas. -  Ele convidou-a a subir nele e montá-lo.
- Muito obrigada Roar. - Mari'bel subiu nele com muita destreza. - Sou uma killoren. Somos as fadas mais conectadas à natureza. - Depois disso, em seus pensamentos, enquanto observava aquela natureza selvagem do sul, a fada pensava e orava "sou amor. Sou luz. Sou vida. Silvanus, Chauntea, Timothy Hunter, Bibiana, Selune. Que este seja o caminho de maior serviço ao equilíbrio natural".
Certamente, aquela foi uma experiência nova e única para Mari'bel. Montada no dorso de Roar, enquanto este disparou pelo capim alto e dourado da savana, ela pode sentir o vento lamber seu rosto e sacudir seus cabelos. Ela afundara um pouco no pelo espesso e macio do wemic, segurando-se na juba que descia pelo meio das costas farta e negra, misturando-se ao restante do pelo laranja avermelhado. 
Para ela tão afeita às florestas e tão sintonizada a Cormanthor e à Grande Floresta, tendo sentido toda a vida daquelas densas matas em si mesma, sentia agora as forças livres daquelas planícies também tão repletas de vidas. A killoren avistava muitas aves, assim como rebanhos de antílopes e outros animais como zebras, girafas e bisões que pastavam calmamente. Tudo aquilo formava um mar dourado que se estendia até o horizonte em todas as direções, despontando aqui ou ali outra árvore retorcida como a que Mari'bel tocara. Mesmo assim, ela sentia que havia uma força vital primordial naquele lugar, como se estivesse preservado da devastação do norte. O céu era azul, mas subitamente, de uma hora para a outra, escureceu e o sol simplesmente desapareceu.
O choque do wemics foi maior que o seu. Mostrando que não sabiam nada do que se passava. Não era um eclipse. O sol simplesmente desaparecera do céu. E não surgiram nem estrelas, nem luar. Tudo escureceu. Um dos jovens wemics se deitou entre o capim desesperado. Os outros sacaram suas lanças e apenas Roar manteve o autocontrole.
- Acalmem-se.. fiquem juntos.. não devemos parar aqui.. nossa tribo precisa de nós. - Ele farejou o ar.
- Sou amor. Sou luz. Sou vida. Silvanus, Chauntea, Timothy Hunter, Bibiana, Selune. Estou com vocês... - pensava Mari'bel, enquanto outras palavras deixavam seus lábios. - Roar tem razao. Temos que nos juntar ao seu povo o mais rápido possível porque a união faz a força. A batalha que está acontecendo agora está muito acima da nossa capacidade de compreensão, o deus do Sol deve ter ido combater as forças da escuridão vinculadas à Senhora das Aranhas, por isso que eu oro para Silvanus, Chauntea, Timothy Hunter, Bibiana, Selune e todos os outros deuses que lutam pelo re-equilíbrio da nossa realidade. Sugiro que orem para o deus de vocês, pois ele também deve estar precisando de toda ajuda possível. Vocês dão conta de chegar em sua tribo mesmo no escuro? - A fada sacou seu arco e reforçou sua percepção, tentando sentir também se a força vital primordial daquele lugar natural havia mudado de alguma forma.
- Nós chegaríamos lá até mesmo sem nossos olhos! - Disse Roar que voltou a correr, mas dessa vez muito mais rápido, impelido pelo desespero. Os jovens fizeram o mesmo e se desdobraram para acompanhar o líder.
Mari'bel não sentia nada ruim além da preocupação com a escuridão. Era certo que os animais gritavam e corriam mais assustados do que os seres racionais, mas nada mais sucedeu além de debandadas.
Em menos de uma hora, Daphne avistou o que parecia um pequeno acampamento de não mais do que seis cabanas improvisadas próximo a um buraco de água. Não havia sinal de fogo ou iluminação, mas cerca de uma dúzia de wemics os aguardavam, todas mulheres. Ao contrário dos homens, não possuíam uma farta cabeleira, mas pelos curtos como o que cobria o restante do corpo num tom mais amarelado. Quase todas tinham perto de si algum filhote, uma delas tinha dois. Também havia um leão, cerca de quatro leoas e  meia dúzia de filhotes deitados próximos da água. Mas foi uma das wemics que estava sem cria quem falou. Parecia, no entanto, jovem.
- Que Nobanion e a alcateia dos ancestrais os guardem, Roar. As damas da noite roubaram nosso dia, mas vocês trazem a fada... - enquanto ela falava, começou a brilhar num raio de 6 metros como se dia fosse.
- Trouxemos a fada, Nuala. Ela diz que é culpa de uma senhora das aranhas e que o Grande Leão precisa de nossas preces...
- Isso não será necessário, meus filhos.. - soou uma voz masculina pela boca de Nuala. - Seja bem vinda Mari'bel da Grande Floresta. Eu sou Nobanion, senhor dos felinos... - todos os wemics e os leões se ouriçaram e emitiram um grande rugido em uníssono, até mesmo os filhotes.
- Nobre Nobanion, senhor dos felinos e aquele que respeita o equilíbrio natural da existência, o senhor me honra com seu cuidado comigo.
- Eu ainda não entendo completamente meu papel no grande plano, mas se ao ser resgatada da teia da Senhora das Aranhas fui trazida aqui, não acredito que tenha sido por acaso - disse Mari'bel descendo com destreza e se curvando numa reverência. - Eu sirvo a Natureza e a todos aqueles que zelam pelo equilíbrio. Que nosso pai Silvanus zele por nós.
- Vivemos mais essa batalha, pois é de batalhas que se vive a vida, Mari'bel da Grande Floresta. Silvanus disse que tem em si a força da vingança e a nobreza da sabedoria. Mas não foi ele quem me pediu que a ajudasse, mas sim o Senhor dos Sonhos. Os deuses estão morrendo como moscas! - Isso fez a maioria dos wemics arrefecer o rugido coletivo. Um silêncio se fez. - A era dos homens vem chegando ao fim, mas não a dos wemics, dos leões ou dos felinos. Nos sobreviveremos às trevas, assim como as árvores, que por mais que sejam cortadas renascem de suas raízes. Seja como for, meu favor devido estará pago assim que eu devolvê-la a seu lugar de origem, Mari'bel da Grande Floresta...

Derdeil Óphodda caminhou pelas ruínas da capital de seu reino natal com o corvo Edgar em seu ombro. Tudo estava destruído. Aniquilado. Não era apenas como se a magia tivesse faltado, mas como se também alguma hecatombe, um terremoto ou outro desastre sem precedente tivesse caído sobre a maior cidade de Halruaa. O escolhido de Rhange Hesysthance reconheceu sem demora os escombros dos três mais importantes prédios da cidade: a Torre Central, de onde o netyarca supremo Zalathorm Kirkson governava o reino com seus poderes épicos de divinação; as torres dos Caçadores de Magos; o templo da Adama, religião oficial do reino dos arcanos.
Não demorou para que Derdeil perceber também como o desastre tinha afetado o tecido mágico. As forças da teia mágica eram agora caóticas e selvagens, podendo potencializar ou anular qualquer iniciativa mágica. Isso afetava até mesmo seus itens mágicos, seu poder de escolhido e seu familiar Edgar. 
Indo até o templo da Adama, o mago usou da sorte e algumas magias para abrir caminho nas ruínas, que pareciam ter sido desintegradas em parte, para descobrir uma escadaria. Derdeil ponderou que aquele poderia ser um caminho para as catacumbas arcaicas dos povos primitivos que viviam nessa região quando da chegada dos refugiados de Netheril, que sobreviveram à tolice de Karsus. Antes de descer, no entanto, Derdeil Óphodda preferiu dormir e recuperar seus poderes.
Em outro plano da existência, Rufus Lightfoot guiava Kaliandra Boaventura e Sérgio Reis. Haviam inspecionado o esqueleto do dragão colossal na entrada do túnel daquele ginásio colossal para criaturas colossais.
A trovadora da espada conjurou um elemental do ar e o mandou à frente para inspecionar o ambiente. Viu logo que as limitações do tecido mágico de Faerun não se davam aqui nesse plano. O elemental partiu, mas alguns instantes depois foi a voz de um pequenino dragão que chamou a atenção deles:
- Quem é você? Onde nós estamos? - Gritou Sérgio Reis.
- Eu sou Ohterrível, guardião desse nobre local!!! - Disse o dragão de escamas de bronze erguendo o que parecia ser um cajado, mas que os olhos aguçados de Rufus perceberam ser uma vassoura.
- Guardião tipo um zelador... - comentou o hobbit com bom humor.
- O que houve no plano dos dragões? - Arguiu Kaliandra.
- Uma triste sina, sabe. Uma coisa realmente triste sabe. As coisas andam meio mortas por aqui... O nobre deus Bahamut não se contentou com a destruição da nefasta deusa Tiamat. Quando ela se foi e não mais havia qualquer malevolência maligna do mal que contrapusesse todo o bem e a ordem do grão-dragão de platina, que ele em prol de uma ideia edificante de equilíbrio buscou trazer de volta a mãe dos dragões de volta. No entanto, ao ressurgir, Tiamat estava mais forte. E ela não teve lá muita gratidão pelo benévolo gesto do pai dos dragões e investiu contra ele e seus filhos. Este foi o fim das coisas por aqui sabe...
- Precisamos de sua ajuda, grande Ohterrível. - Avisou Kaliandra. - Temos um mundo para salvar.
- E como saímos daqui? - Quis saber Sérgio Reis.
- Sair daqui? Pra que? Pra voltar pro nosso mundo que vai ser destruído? - Discordou Rufus.
- Tem uma saída mais à frente... - indicou Ohterrível.
Após caminharem pelo que pareceu várias horas, o trio e seu guia dracônico chegaram ao portão nos limites do plano. Dali, eles conseguiam avistar o plano astral onde todos os planos da existência se aproximavam e conjugavam como ilhas num oceano. 
Sérgio Reis foi quem pulou e confirmaram que isso os tiraria do plano dos dragões. Ele retornou através de uma porta dimensional.
- Eu não posso sair... vocês podem que não são daqui... - avisou o dragãozinho.
- Ainda acho melhor ficarmos... - ponderou o hobbit.
- Podemos jogar buraco.. - disse Ohterrível sacando um baralho.
- Nós temos que salvar a rainha Amídala... temos de salvar Bibiana... - disse Kaliandra Boaventura sem exitar e saltando. Os demais vieram atrás, com Rufus trazendo o novo aliado em sua bolsa mágica, pois o dragão se transformara em uma estatueta de bronze.
Após alguns minutos caíram, eles passaram a levitar e foi quando os demônios surgiram...

Mari'bel surgiu em ruínas e não numa floresta como esperava. O mundo continuava escuro e sem luz do sol, mas certamente ela não voltara para o norte. Alguns poucos passos nas trevas, no entanto, permitiam-na reconhecer um vulto.
- Mari'bel? - soou a voz de Derdeil que enxergava melhor no escuro.
- Óphodda? Que sorte encontrá-lo aqui. Que lugar é esse?
- Essas são as ruínas do templo da Adama em Halarah antiga capital de Halruaa. Estou descendo para inspecionar algumas catacumbas, pois não sei o que se deu aqui. Fui enviado por meu deus, depois do ataque da senhora das aranhas em Myth Drannor.
- Eu irei ir com vocês.. - disse Mari'bel sacando o arco e seguindo para a escadaria, enquanto o mago seguia com as explicações.
Eles desceram até um salão, enquanto Mari'bel escutava o destino das poderosas torres na narrativa de Derdeil Óphodda. Mas o escolhido do deus da magia foi interrompido pelas cinco estátuas que começaram a se mover...