(Daphne abriu os olhos sentindo tudo rodar dentro e fora dela. A última coisa de que se lembrava era de estar lutando contra o assassino etéreo, tentando salvar Sirius e Jacke que haviam sido engolidos. Apesar de suas esforços a criatura gargântica continuava agarrando-a, atacando-a e pulando aleatoriamente de um plano para outro. Num desses saltos temporais, Ryolith Fox, o santo paladino de Tyr e a ajuda que lhe restava, perdeu-se.
A druida da Grande Floresta resolveu que permanecer naquilo era inútil. Ela precisava alcançar os dois antes que fosse tarde demais e escolheu um plano arriscado. A druida das muitas formas transformoou-se em um pequeno elemental da água. Com isso, o assassino etéreo a engoliu com facilidade, enquanto ela, por sua vez, não teve qualquer dificuldade para seguir até o estômago do monstro.
Uma vez lá, Daphne encontrou Jacke desacordada e no limite último entre a vida e a morte. Ela concentrou-se em uma magia para minimizar os efeitos dos ácidos estomacais, ao mesmo tempo que assumiu uma nova forma. Transformando-se no maior elemental da terra possível, Daphne da Grande Floresta irrompeu como uma montanha na barrigada do assassino etéreo.
O monstro, aturdido e estuporado, só teve tempo de mais uma vez piscar para outro plano, deixando a druida e a clériga naquele estranho ambiente, em que o ar era escuro e frio como as profundezas da terra. Tudo em que encostava estava coberta por uma grossa e pegajosa camada de teias. Havia aranhas de todos os tamanhos e tipos por toda a parte, algumas das quais já se moviam sobre sua forma montanhosa na direção do corpo da clériga gnoma. Daphne também percebeu outros seres, que pareciam meio humanóides, meio aranhas.
Daphne moldou sua forma para absorver Jacke em seu interior em segurança e moveu-se, embora não parecesse haver direção segura. Mesclou-se ao solo e só descobriu corredores e galerias que pareciam não ter fim. Mesmo surpresa que os deuses lá de cima permitissem que ela se tornasse um elemental, coisa que nunca havia conseguido fazer, agora que era necessário, sentia como se sua fé também fosse em si mesma. Ela se lembrou que da outra vez que estava em outro plano, com os elfos das estrelas, ela também virou um urso selvagem antes dela conseguir de fato se transformar naquele animal no plano material.
A druida da Grande Floresta curou sua seguidora gnoma e procurou pelo melhor caminho. Ela se lembra duma história muito doida que sua avó contava sobre elfos, halfings, anães e humanos, que tinha um mago muito doido que dizia que, na dúvida, você deve sempre seguir seu nariz
- Da.. Daphne? O que houve? On.. Onde estamos?.. Só me lembro de ter sido levada por Rock dos Lobos para o plano etéreo com Sirius Black. Ele nos deixou e foi buscar vocês e então não me lembro de nada. - Enquanto a gnoma falava, a druida percebia que havia um certo padrão na distribuição das galerias. Seguiu por um longo tempo para certificar-se e teve certeza que tinham o formato de uma teia de aranha. Isso bastou para ter certeza de onde estava: os Penhascos Demoníacos de Teia, o reino de Lolth, senhora dos drows.
Desde que Bibiana ascendera como divindade única de todos os elfos, nada se sabia sobre os elfos negros que viviam sobre a terra. Se os Seldarine haviam resolvido partir, o que teria feito Lolth?
- É Jaque, você e Sirius foram engolidos por um assassino etéreo, mas ao derrotá-lo só vc estava dentro dele... suponho q Selune deve ter resgatado seu amado. Agora, se eu bem entendi, estamos no reino de Lolth no plano astral... nao sei bem como voltar pro nosso plano, mas acho uma boa ideia sair daqui. Isso parece uma grande teia de aranha... vamos seguir em direção à borda dela, em direçao oposta ao centro.
- Já estou quase sem magias.. - disse a gnoma ainda abatida. - Se puder descansar, posso dar uma benção de mudança de planos para voltarmos ao plano material ou posso tentar o reino de Bibiana, o que só conseguiria com a autorização dela. - Daphne sabia que não podia demorar muito até que Lolth tomasse uma providência. Na verdade, a druida das muitas formas lembrou que o reino da deusa dos drows era a totalidade do plano, mas também haviam áreas de outras divindades menores dos drows como Vaehrun, Selventarm, Kiaransalee e Elistraee. De qualquer forma, esperava conseguir passar desapercebida.
No rumo que seguiam, depois de algum tempo, ao invés de cruzarem os corredores paralelos, acabaram convergindo para um largo túnel de sentido diagonal ao anterior.
Por ele passavam numerosas criaturas aracnídeas de todos os tamanhos, que pareciam predar uma multidão de humanóides aterrorizados. Os gritos eram terríveis e ecoavam por todo o túnel misturados ao som das correntes. Daphne também percebeu que alguns demônios voavam acima das monstruosas aranhas e quando havia brecha, desciam em razantes para pilhar alguma alma mal protegida.
As almas atormentadas e torturadas pareciam de drows aos olhos que tentavam permanecer indiferentes de Daphne. Mesmo sabendo que eles buscaram por aquilo em suas vidas, o que poderia ela fazer agora que estavam mortos? Daphne percebeu, que além de atacados e coonsumidos pelas aranhas monstruosas, eles também atacam uns aos outros, parecendo competir em todos os níveis. Haviam muitas mulheres, maiores e mais fortes que os homens, mas também consumidas em maior número. A druida viu um demônio calcular mal a investida e ser partido ao meio por uma das aranhas. As almas que ele já pegara antes foram atiradas em várias direções e uma bateu contra a parede do túnel próxima a você na junção com o teto. Era uma menino de não mais do que 8 ou 9 anos... 25 ou 30 para um drow.
- Matar... ou morrer.. matar.. ou morrer.. - ele repetia na língua élfica corrompida dos drows. Outros demônios para panhar as outras almas e um vrock veio na direção dele.
A terra e pedras que eram Daphne discretamente desmoronaram com o impacto do menino, caindo um monte de terra e pedras em cima do menino, mas sem esmagá-lo ou machucá-lo, apenas o suficiente para escondê-lo do vrock. Ela esperou ver que ele recupere seu fôlego, antes de seguir seu caminho. Enquanto escorria sobre aquele espírito, que não era imaterial, mas sim pegajoso e gelatinoso como as teias que haviam por toda parte. Isso não a impediu de formar uma caverna para a alma, deixando-o além do alcance do vrock ou de outro demônio. O vrock, no entanto, prestava atenção na massa de terra que se movia e afastou-se. Daphne preferiu deixar o contato com o espaço aberto e seguir toda mergulhada no teto, alheia ao que havia embaixo. Ao fazer isso, você teve consciência de um vazio. A druida das muitas formas emergiu em um vasto espaço vazio, como se o céu e o abismo fossem uma só coisa.. ao longe ela via pequenos filetes brancos, como pequeninos fios de teia estelares cortando de uma ponta a outra.
Enquanto vagava naquele lugar limítrofe e difícil de ser entendido, Daphne via enorme o cintilar do brilho acima dela em meio à vastidão escura. Talvez estivesse chegando ao limite do plano, pensou consigo mesma. No entanto, ela viu surgir diante de si uma enorme elfa de pele escura. Os olhos dela eram cor de ametista e os longos cabelos brancos desciam como um manto pelas costas. Com um gesto, uma esfera de força arrancou a forma elemental de Daphne do chão e a conteve.
- O que temos aqui? - Ela disse na língua dos drows. - Um lobo em pele de cordeiro? - Ela sorriu e a druida voltou à sua forma e tamanho normal, deixando Jacke visível. A gnoma reconheceu o mesmo que Daphne.. que aquele era Lolth, Senhora dos Drows.
- Rainha das Aranhas, Senhora deste reino, como o caos parece ser aquilo que sempre é supremo em nossas vidas, eu nao sei como viemos parar aqui em Seu reino... - disse Daphne com a máxima diplomacia possível. - A forma que estava usando era para atrapalhar o menos possível o andamento das coisas aqui, mas eu sabia que não havia forma que eu pudesse usar que me esconderia da Senhora em Seu reino. Estavamos tentando sair discretamente justamente para não incomodá-la.
- Talvez tenha sido o destino quem a trouxe até aqui, pequena druida... - sorriu Lolth sem disfarçar segundas intenções naquelas palavras. - Não fossem essas tantas mudanças e eu teria percebido sua presença imediatamente, mas os universos estão um caos.. um verdadeiro caos. - E ela riu como se aquilo fosse uma piada muito engraçada. - Duas mulheres tão cheias de bondade e energia positiva eram justamente o que eu precisava para terminar meu ritual...
Daphne e Jacke se entreolharam sabendo que espécie de ritual nefasto poderia advir daquilo.
- Com a chegada dessa tal Bibiana, com a partida dos Seldarine, também precisei mudar as coisas por aqui. Matar meu próprio filho foi um pouco difícil, reconheço. Mas matar Elistraee foi um pequeno prazer. Agora seremos apenas duas deusas para os elfos.. eu, a mãe verdadeira nutrida por essa terra... ela, uma infanta tola, que trará os elfos à ruína...
Enquanto seu coração orava para Bibiana, Selune e outras divindades do bem, deu um suspiro, sorriu, deu um olhar passivo e disse diplomaticamente:
- Sabe, eu acho graça quando bem aqueles que se dizem deleitar com o caos, seguem regras fixas, tipo receita de bolo... "pegue dois seres bondosos, faça um ritual"... "mate seus inimigos"... uma baita falta de criatividade! Eu acho que seria bem mais caótico ter mais jogadores em campo... matar seus filhos, me parece uma ação desesperada, de medo do que eles poderiam fazer se tivessem tido mais tempo. Sinto lhe informar, Rainha das Aranhas, mas nós nao somos títeres seus pra você nos usar.
- Fico feliz em que mostre melhor suas motivações, mortal. Houve um tempo em que eu tinha outro nome e servia sob a égide de Corellon Larethian. Fui sua consorte, a Senhora do Destino dos Elfos, mas nunca sua igual. Ele era o rei e eu apenas uma dama ao seu lado. Quando resolvi clamar pela igualdade, ter meu devido espaço no plano divino, ele me expulsou para o abismo e para a escuridão. Para a ordem dele poder se perpetuar, ele me aprisionou no caos. E agora ele partiu... partiu deixando seus filhos para trás sob a tutela de uma babá desinformada. Pois é hora de os elfos cumprirem seu verdadeiro destino. Eu guiarei meus filhos para seu lugar de direito.. os melhores dentre todas as raças.. os mais próximos dos deuses dentre as raças mortais.. - ela falava aquilo num tom alucinado.
- Isso é apenas parte da verdade, Araunshee... - disse uma outra voz misteriosa, mas que Daphne conhecia de seus sonhos.
- Eu não permiti sua entrada em meu reino, criatura! - Vociferou Lolth fitando a figura encapuzada que se aproximava. - E nunca me chame por esse nome!!!
- Esse é seu verdadeiro nome, senhora das aranhas... - disse Morpheus aproximando-se mais. - Era seu nome quando você traiu os Seldarine e a si mesma.
- Eu fui forçada a isso... - ela cerrou os punhos e aprisionou Morpheus da mesma maneira que fizera com Daphne e Jacke antes dele.
- Sabe, minha mãe e a senhora se assemelham em um aspecto... - disse Daphne enquanto se refugiavam atrás do senhor dos sonhos. - Têm lembranças deturpadas do passado, sem nenhuma alteridade... parece que preferem viver amarguradas do que encarar a realidade de como as foram e são.
Morpheus lembrava muito Lorde Byron, Daphne percebeu refugiada atrás dele. Ainda assim, havia mais nele do que no clérigo que ela já conhecera. A druida das muitas formas e a clériga viam entre os poros do vasto manto, pontos brilhantes como estrelas. Em suas mentes, passeavam lembranças de bons momentos, uma certa nostalgia que afastava o medo da deusa dos drows.
- Você vai pagar junto com elas, Senhor dos Sonhos. Você não tem poder contra mim em meu reino.. aqui eu sou suprema e serei capaz de fazer o que quiser com você...
- Assim seria, minha cara, se você pudesse me impedir de partir já que não pode me impedir de chegar - disse Morpheus envolvendo-as em seu manto.
Aquele gesto mergulhou Daphne e Jaque no universo de Morpheus. Daphne viu grande entidades sentadas em uma mesa rolando os dados do caos e da ordem. Ela viu Dendar correndo a frente deles, envolvendo-os sem os prender. Jac não conseguia abarcar a compreensão daquilo tudo e sentia o temor da insanidade invadir seu peito, mas Daphne sabia que aquilo era apenas um olhar mais amplo do que os vislumbres que tivera. Ela via o padrão, os cinco artefatos que coexistiam em todas as realidades, os pontos nodais da ordem no emaranhado de caos. Ela via as entidades que transitavam entre as realidades: Morpheus era uma delas.. mas haviam tantas outras.. uma pálida mulher vestida de negro que a druida entendeu ser a morte, não a morte transitória, mas sim a morte absoluta. Uma mulher gorda e horrenda com o corpo cheio de anzóis. Um demônio com o corpo coberto de marcas e cicatrizes.. Malkizid, o anjo caído. Os lordes abissais, os anjos celestes, os diabos infernais, os lordes dos campos elíseos, os elementais supremos.
Daphne viu então os deuses, que lhe pareceram tão pequenos diante de tudo, apenas grãos de areias de um deserto sem fim. Alguns piscavam, como se mudassem sempre, mesmo que voltando sempre a ser os mesmos, presos a ser o que deveriam, ideias, portifólios, doutrinas, dogmas.
Ela viu a força da vida em toda parte. Por mais densas que fossem as trevas ou mais negativas que fossem as energias, a vida sempre perseverava e encontrava um jeito de continuar. A dança cósmica não lhe parecia estranha, mas uma grande sinfonia que ela cantarolara sem perceber, mas que agora ela via em cada movimento por menor que fosse...)
- Sejam bem vindas ao reino dos sonhos, minhas caras.. - disse Morpheus retirando-as de seu manto.
- Muito obrigada por nos resgatar, Senhor dos Sonhos. Quando eu pedi auxílio nem me passou pela cabeça que seria você quem viria nos resgatar. Fico feliz em saber q recuperou suas forças! Posso te contar uma coisa?? Outro dia, ou noite, nao sei direito, foi como em um sonho, ou outra realidade, minha amiga Jaque me passou um texto interessante, dizendo que nós não estamos no universo, nós somos o universo. Somos uma parte intrínsica dele. Que na verdade nós não somos uma pessoa, mas um ponto focal onde o universo torna-se consciente de si mesmo. No que eu li aquilo, eu soube que era verdade. Ver essas cenas, desses seres, dessa realidade muito acima de nossas cabeças, desse padrão que permeia tudo, me dá certeza de que absolutamente tudo está ligado e funciona num equilíbrio, num jogo eterno... - ia dizendo a druida numa eloquência de quem precisava materializar pensamentos. - Mas eu me pergunto, qual é nosso papel agora? Sinto que temos acertado mais pela sorte, momentos de estar no lugar certo na hora certa, mas sem entender o que estavamos fazendo. Eu sei que não vou receber uma resposta clara, afinal, aqui em seu reino nada é claro... e pior ainda, eu nem sei se essa é a pergunta certa! Mas sinto que estamos entrando em situaçoes épicas mas sem uma sabedoria épica para nos guiar... Qual é o nosso papel nesta história? Nesse "novo" tabuleiro???
- Não é meu papel intervir, Daphne da Grande Floresta, mas é minha escolha. Por isso, fui julgado e destruído antes e provavelmente o serei novamente - Daphne sentia a convicção resignada naquela voz, que realmente lembrava-a da voz de Lorde Byron. Foi aí que a druida se deu conta de que aquele era Lorde Byron, que assumira o papel de Senhor dos Sonhos. - Sempre faremos o que temos de fazer, mas isso não significa não fazer o que queremos fazer. O mundo mudou, o universo mudou, a existência mudou e fomos os agentes e o terreno dessa mudança. Uma nova ordem se instaura, o velho caos se perpetua. Dessa vez, como você mesma disse, não podemos mais vagar ao sabor do vento, mas devemos soprá-lo na direção certa...
- Sou grata pelas escolhas que tem feito... mas não respondeu minha pergunta - disse Daphne sorrindo.
- É difícil que algo lhe escape. - O senhor dos sonhos pensou por um instante, enquanto seu manto se agitava. Ao redor de Daphne, qualquer que fosse a direção que olhasse, via uma cena de sua vida. Viu-se criança desamparada por uma família gananciosa e sem escrúpulos. Viu-se escrava torturada e amaldiçoada por Szaas Tam. As cenas dançavam como quimeras oníricas ininterruptas dificultando sua concentração. Ela viu David com um jovem lobo sendo escolhido por ela. Ela viu as trevas que devoraram Águas Profundas. - Somos os mantenedores do equilíbrio... os agentes da mudança que voam de costas para o futuro e de fitando o passado que se desfaz. Somos artífices da realidade e suas possibilidades. Somos isso e muito mais. Vocês devem retornar para a Grande Floresta.
Com essas palavras, Daphne viu-se uma vez mais em meio às amadas árvores de sua floresta. Jacke parecia confusa e aturdida.
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