13 de dez. de 2012

Sob o mesmo céu


Quando Daphne despertou, viu que a vasta sombra da Cidade Obscura ainda pairava sobre a Grande Floresta. O emissário Hadrhune já esperava por ela e partiram assim que ela disse estar pronta. Ele teleportou os dois com a força mágica tenebrosa de Shar, o que não deixou de incomodar a serva da natureza. Desde sua possessão, Daphne percebia que aquelas forças mágicas ofertadas pela Senhora da Escuridão eram mais do que uma antítese do poder de Mystra, afinal existia escuridão sem luz, mas não luz sem escuridão.
A urbe onde apareceram era como nenhuma outra que Daphne tivesse visto. Certamente era uma cidade de grande porte, de cerca de vinte e cinco mil habitantes, com construções sóbrias e pesadas. A parte central era mais elevada, além de possuir construções maiores e mais escuras. Ali onde apareceram, os prédios eram menores, muito próximos uns dos outros. Tinham cores cinzentas e frias, sempre tendendo aos tons mais sombrios e foscos.
Não havia nada ali que parecesse capaz de animar os espíritos dos viventes a não ser a bela vista do mundo lá embaixo. Daphne via que a cidade estava se movendo e logo também estava ela a acompanhar o emissário do senhor deste lugar. Por mais que andasse e observasse, não havia colorido, não haviam plantas e eram poucos os animais. Mesmo assim, a druida não perdeu tempo em estabelecer um vínculo espiritual, já preparado na noite anterior, com os corvos que iam atendendo ao seu chamado.. quatro ao todo. Além deles, ela vinculou-se a um rato, com o intuito de que esses olhos fossem úteis naquele ambiente perigoso e desconhecido.
Por mais que se aproximasse do centro da cidade, não havia decoração, adornos ou belas fachadas. Haviam apenas linhas retas e objetividade. As pessoas andavam nas ruas em perfeita ordenação, em filas que não se atrapalhavam mesmo nos cruzamentos das ruas. Não havia gritaria ou barulhos, jogos nem confusão. Alguns indivíduos voavam, caminhavam pelas paredes ou fundiam-se com as sombras dando mostras da energia mágica que cercava a cidade das Sombras. Senhores indiferentes eram carregados ou conduzidos por escravos. Com estes estavam a maior parte dos animais, que ela entendeu serem familiares ou servos convocados, muitos com traços abissais ou sombrios.
Chegaram finalmente a um imenso anfiteatro, Era um amplo prédio semi-circular onde caberiam facilmente milhares de pessoas. Daphne entendeu que ali era o local da Assembléia Máxima, já ouvindo as muitas vozes que perturbavam o mórbido silêncio da cidade. A arena ficava no centro de uma praça cercada de templos. Ela reconheceu alguns como o de Shar, Gruumbar, Auril e Shandakul, mas viu que haviam muitos mais. Nenhum no entanto de boas divindades como Selune, Lathander, Tyr ou Mystra.
O interior do anfiteatro era intimidador, todo em mármore negro, com colunas retorcidas, relevos macabros e gárgulas sinistras. No palco ao centro, estavam muitos homens tenebrosos e ainda mais sinistros. O mais terrível talvez fosse o que estava sentado ao centro a observar tudo. Ele trazia uma coroa negra na cabeça e um olhar de arrogante domínio sobre tudo que via. De cada lado dele estavam sentados seis outros homens também imponentes, mas ofuscados pela grandeza de um astro maior. Os mais próximos do centro pareciam mais velhos do que os das pontas. Haviam muitos outros indivíduos ali ainda a ouvir, servir ou simplesmente paparicar aquelas treze figuras sentadas. Todos pareciam mesclar-se com as sombras como Hadhrune.
Este indicou a Daphne que tomasse assento. Ele indicou a platéia onde uma gama diversa de sujeitos aguardava conversando em pequenos grupos. A druida considerou que tratava-se de gente de diferentes regiões do que esses sombrios servos das trevas chamavam de Nova Netheril. Hadhrune então seguiu em direção ao palco e ao imperador, enquanto a serva da natureza aproximou-se do público com cautela, sentando e observando.
Um homem próximo puxou conversa e confirmou as expectativas dela, pois vinha de uma das cidades próximas da Grande Floresta, da região devastada pela erupção das Montanhas das Estrelas. Enquanto conversava, ela viu se aproximarem um par de elfas. As únicas do belo povo por ali. Ela reconheceu uma delas de imediato, pois tratava-se de Annia Evalandriel, que envolvera-se com Sirius. A elfa estava muito produzida e elegante, cheia de jóias e penduricalhos, muito diferente de quando era uma ama da rainha dos elfos.
- Olá, querida.. Daphne, não é mesmo?
- Sim...
- Sou Annia.. de Evereska.. creio que se lembre de mim..
- Sim, sim, Annia. Lembro bem de você quando estivemos lá há mais de um ano...
- Como o tempo voa, não é mesmo? Fico feliz de vê-la aqui nesse conselho.
- Estou representando os druidas da Grande Floresta.. fui trazida por um dos sombrios e..
- Bom saber que reconhecem o poder de nosso vasto império. Como vai Sirius?
- Na verdade, ele está preso sob as trevas de Shar que tomaram Águas Profundas.
- Que notícia terrível... - disse Annia sem conseguir disfarçar a preocupação genuína. - Mas sei que os poderes dele são grandes.. ele há de ficar bem. Esse é mais um motivo para nos concentrarmos na esperança que nos traz nosso imperador. O regente Rhange Hesysthance Sorrowleaf me enviou como embaixadora para representar Evereska. Nossa cidade vem prosperando sob o comando do regente, que no entanto não descansa enquanto não libertar a alma da rainha Querdalla. Nossos soldados buscam até o último dos phaerimms. Aliás, nessa empreitada, ele conseguiu recuperar a alma de um dos gnomos do seu grupo...
- Arnoux? Será possível?
- Sim, sim.. o regente apenas não libertou sua alma, pois sem o corpo, isso representaria a morte do gnomo. E o arquimago Sorrowleaf tem grande apreço pelo casal de gnomos... se quiser, irei me reportar a ele após a assembléia, pode me acompanhar e tratar da alma de seu aliado...
- Seria ótimo e...
- Silêncio todos. - ecoou pelo ambiente a voz de Hadrhune. Como um senescal, após golpear o chão três vezes com seu cajado, ele anunciou que falaria o Príncipe das Sombras Telamont Tanthul, imperador de Nova Netheril.

- Meu povo de Nova Netheril, meus caros arautos e representantes de cada cidadão de nosso vasto império, sejam bem vindos à nossa capital. - Ao se levantar, o imperador Telamont pareceu crescer, como se todas as trevas ali não fossem mais do que partes periféricas de seu corpo. por um intante, Daphne pensou que cada sombra ali era uma parte dele. - Agradeço a todos por responderem tão prontamente a esta convocação, pois o tempo urge contra nós. Não recuperamos nossa glória para vê-la...
- Não há legitimidade possível nessa reunião.. - bradou outra voz. Logo, estavam ali dois seres tão ou mais sinistros do que aquele que ocupavam o centro daquele teatro. Ambos eram mortos-vivos, com corpos decrépitos e apodrecidos. Um era gordo e pelancudo, dobrando em massas de carne sobrepostas. O outro era esquálido, parecendo feito apenas de pele e ossos. Daphne via neles as mesmas forças necromânticas nefastas com que Szaas Tam a profanara.


Ao despertar, todo o grupo com a comitiva de libertos não demorou a descobrir que já eram procurados pelos kuo-toas. Tomaram o cuidado de manter as pessoas libertadas, os dois kuo-toas cativos e Rose Anne Amkathra afastados do combate, posicionando-se para dar conta dos homens-peixe. Sirius Black derrubou os primeiros antes que pudessem se dar conta do que estava acontecendo. Muadib usou de sua mobilidade e agilidade para atingir os inimigos com seus múltiplos ataques e recuar. Ehtur garantia a segurança com o alcance de sua lança, protegido em um corredor contíguo. Úrsula mantinha-se a salvo disparando suas flechas e John Falkiner voava acima de todos liberando magia divina. Na retaguarda, Ryolith Fox, Rock dos Lobos, Leila Diniz e Francisco Xavier garantiam a retaguarda.
Dessa vez, no entanto, os servos de Blibdoolpoolp, a Mãe do Mar, não contavam apenas com suas lanças terminadas em afiadas pinças. Para surpresa de todos, um relâmpago largo rebentou no corredor eletrocutando os que não conseguiram evadir. A maior parte dos antigos escravos dos homens-peixes tombou quase mortos. Os heróis suportaram o ataque, mas viram que era hora de investir contra os guerreiros que ainda restavam antes do clérigo da Mãe do Mar. Enquanto isso, aqueles que estavam na retaguarda aproveitaram para curar os caídos. Os dois Kuo-toas, mesmo com braços amarrados, aproveitaram a distração para fugir pelo corredor que Ehtur deixara livre. Rock tentou detê-los com uma muralha de fogo, mas eles foram mais rápidos. Leila Diniz precisou concentrar-se para anular o novo relâmpago conjurado pelo clérigo kuo-toa. Isso deu tempo para que os demais chegassem até ele e o vitimassem.
Neste ponto, finalmente a fé de John Falkiner mostrou-lhe que a direção do destino mudara. Seguiram com o receio de estarem se afastando do real destino. Uma terrível armadilha na porta seguinte derramou sobre Úrsula e Muadib que tentavam abri-la uma chuva ácida venenosa. Isso mitigou a força dos músculos de ambos, fazendo Úrsula desmaiar. O servo de Kelemvor precisou clamar pela benção do deus dos mortos para realizar a necessária cura. Em seguida, abriu um túnel na parede para evitarem a porta.

Mais à frente, depois de acompanharem os rastros dos kuo-toas, encontraram a entrada principal do templo dos homens-peixe. Na direção oposta, já sabiam que estavam muito próximos do rio subterrâneo de onde vinham os escravos. A fé de Falkiner indicava que o caminho principal estava ao centro dos dois rumos. No entanto, a empolgação descuidada do clérigo acabou revelando a presença deles para os seguranças do templo.
Rock conseguiu colocar uma magia de silêncio atrás deles, evitando atrair a multidão do templo. Todos atacaram e conseguiram rapidamente matar os inimigos. O caminho estava livre...

- Eu sou Aumvor, aquele que não pode ser morto, guardião da magia de Netheril, aquele que sobreviveu à tolice de Karsus.
- Não é possível falar no glorioso reino de Netheril, se os dois únicos arcanos de Netheril que restam neste mundo não são ouvidos.  Eu sou Larloch, Senhor das Mil Criptas, mais antigo arquimago do maior império que já existiu. Este enclave não pode clamar por uma glória sem resgatar seu passado, príncipe Telamont.
- Nova Netheril não nega, mas sim busca resgatar as glórias de outrora, nobres arquimagos. Certamente, nosso império está pronto a prestar contas e reconhecer-lhes os devidos títulos e recompensas, caros senhores. Sentem-se aqui ao meu lado.. essa glória não seria glória alguma sem o respaldo de vossas argutas mentes - disse Telamont fazendo sinal para que os filhos mais próximos dessem lugar para os dois recém-chegados.

Os dois lichs parecem ter se dado por satisfeitos, tomando seus lugares ao lado do imperador. Suas órbitas vazias pontuadas pelo sinistro brilho vermelho fitaram a multidão como se fossem seus escravos. As trevas por ali tão plenas não pareciam incomodá-los, mas muitos foram os presentes na platéia que sentiam o medo vindo dos dois.
- Continuemos então, agora com a presença de todos que aqui merecem estar, meus estimados cidadãos. As forças destrutivas de Shar cobrem a chamada Cidade dos Esplendores. Aquelas trevas primordiais logo se expandirão e alcançarão as boas terras de nosso vasto império. Farão isso se não nos mobilizarmos para proteger nossos filhos.
- Quem você quer enganar? - gritou um homem em meio à platéia, que pelos burburinhos, Daphne descobriu ser o embaixador de Secomber, uma importante cidade ao sul da Grande Floresta. - Todos sabemos que vocês servem a Shar...
- Olhe ao seu redor, simplório homem! - Ordenou o imperador com raiva, mas sem perder a diplomacia. - Existe sim um templo de Shar nessa cidade e muitos servos dessa deusa primeira, mas há também um templo de Gond, senhor da construção.. um templo de Gruumbar, senhor da Terra.. um templo de Azuth, senhor dos magos e muitas outras divindades. Há servos de Shar em Nova Netheril, mas nunca escravos de seus desígnios. Nosso objetivo é o bem estar de nosso povo! Para tanto é necessário mobilizar um exército. Cada cidade e cada região deve convocar seus cidadãos para defender nossa pátria, nosso solo e nossos filhos. Cada um de vocês, embaixadores aqui presentes, deve retornar ao seu lar e inflamar o coração de seus irmão para que possamos salvar Águas Profundas e todo esse mundo. - As palavras fortes e hábeis do imperador Telamont iam conquistando todos ali e até mesmo Daphne via nelas uma preocupação genuína de um governante para com seus governados. - Escutem o meu chamado, meus filhos. Quem entre vocês está comigo? Quem entre vocês ama esse império? Quem entre vocês concorda com marchemos para salvar Águas Profundas?
Todos ergueram as mãos, muitos com entusiasmo. Daphne logo percebeu que apenas meia-dúzia de embaixadores não o fizeram. Cinco deles preferiram se abster e apenas um deles, o embaixador de Secomber, se negou a concordar. Rapidamente um mar de trevas o envolveu e ele despareceu para terror de todos. Nas duas questões que se seguiram, ninguém mais ousou discordar. Decidiu-se que todas as cidades cederiam membros de sua população para formar um exército que marcharia para o oeste para salvar a Cidade dos Esplendores das trevas de Shar. Com a vitória, seria a vez de cuidar dos problemas com os zhentarianos no leste e os insurgentes de Suzail ao sul.
Desse modo, os embaixadores foram dispensados, enquanto a cúpula central entregou-se a conversas internas. Daphne deixou o anfiteatro e foi convidada por Annia a acompanhá-la até a estalagem que pouco distava dali. Lá chegando, ela usou de um pergaminho de divinação para criar uma tela onde podiam ver o arquimago Sorrowleaf. Este pareceu satisfeito ao ver a druida e confirmou-lhe que estava com a alma de Arnoux. Rhange ficou feliz com as notícias anunciadas por Annia e despediu-se com o convite para receber Daphne e seus aliados tão logo a crise fosse debelada.
Antes de partir, a druida recuso o convite da elfa, que já fazia pequenas carícias em seus cabelos ruivos. Não muito longe dali, através dos olhos de seus corvos, ela sabia que os embaixadores que haviam se abstido na votação não tiveram a mesma sorte dos demais, sendo capturados na saída e conduzidos ao que parecia ser o prédio da guarda.



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