16 de nov. de 2012

Noite perpétua

Ehtur seguiu sua viagem com urgência pela Grande Floresta. Já faziam dois dias desde que se separara de Alissah e já se aproximava dos Picos Perdidos, as montanhas que divisavam o horizonte a norte. Precisaria cruzar o rio Dessarin para evitar a subida, mas esse era o caminho mais simples até o clã Eagle e o círculo druídico de Daphne. Por ali, ele acautelou-se ao ouvir vozes estranhas para uma floresta, vozes de anões. Ele não falava a língua dos anões, mas não era difícil reconhecê-la. Pelo timbre e tom pareciam ser quatro anões discutindo. O guardião seguiu furtivo buscando avistar os palavrantes. Quanto mais avançava, menos confiante ficava nisso, uma vez que as voz seguiam equidistantes dele. Pensou se não seria uma leucrotta ou alguma outra forma de ventriloquismo.
O servo de Miellikki buscou por rastros e não viu sinal de anões, apenas pegadas antigas de um grupo de humanos de cerca de um ano atrás sob as folhas. Os rastros levaram-no até uma gruta escondida entre as árvores. As vozes vinham lá de dentro agora. Mesmo desconfiado, Ehtur Telcontar resolveu adentrar com cautela. Antes que o fizesse, no entanto, um piado o deteve. Olhando na direção, ele viu uma pequena coruja. O pássaro se aproximou até pousar no ombro do guardião e evitar que ele continuasse. A coruja guiou Ehtur até um jovem druida.
Rapidamente, Ehtur descobriu que aquele rapaz imberbe era Police, sobrinho de Sting, falecido camarada de Daphne. Ele fora recentemente admitido ao círculo druídico durante a última passagem dela. Telcontar relatou o encontro com a colega no dia anterior e a necessidade de informar os outros druidas. Police gabou-se de seus talentos druídicos usando seus poderes para fazer com que as árvores carregassem a notícia. Além disso, ele aumento a velocidade com que viajariam. Nenhum desses truques de iniciante surpreendeu o guardião, que sentiu-se um pouco entediado com a tagarelice do jovem servo da natureza.
Depois de algumas horas de viagem, após já terem deixado as águas do rio Dessarin para trás, o velho e sábio druida Gaios surgiu diante deles emergindo de uma árvore. Ehtur Telcontar não perdeu tempo e relatou tudo que se passara, trazendo preocupação para o velho servo de Silvanus. Se Águas Profundas era o destino de Daphne possuída que estava pela força sombria de Shar, ele devia ir até ela resgatá-la. Os druidas ainda estavam às voltas com os ataques de Nova Netheril e com a área de antimagia, mas não podiam abandonar um dos seus membros. Police iria acompanhá-lo.
Ehtur lembrou ao velho druida que sua missão ali ainda era avisar ao clã Eagle do que se dera com Alissah.  Sem demora, Gaios convocou um pequenino pássaro que por ali passava. Este pousou calmamente em seu indicador e o druida pediu que Ehtur repetisse a mensagem. Qual não foi a surpresa do guardião quando a pequena ave não só repetiu a mensagem, mas com a voz do próprio Ehtur. Depois disso, ela voou rumo ao norte e eles seguiram. Ao chegarem à periferia da floresta, no entanto, eles puderam ver que tudo era mais grave do que pensavam.

Daphne empalideceu diante daquele anúncio, enquanto os guardas da cidade cuidavam de espantar a população que se aglomerava ao redor dos templos. Ela ainda não estava totalmente recuperada da possessão tenebrosa e agora era assaltada pela notícia que seu vil e escravocrata pai era o novo Lorde Público da Cidade dos Esplendores. Embora a notícia não atingisse a todos os seus colegas da mesma maneira, estes sabiam pela conversa que haviam tido com o lorde burguês Mirt que isso não era um bom sinal.
O sumosacerdote Melegost Vestrelas, no entanto, não parecia de forma alguma preocupado com aquilo e insistiu que Leila "o corpo de Mystra" Diniz devia acompanhá-lo até seus aposentos para que ele pudesse tratar sua condição com a graça da deusa da magia. A morta-viva resistia à ideia, assim como Francisco "seu protetor" Xavier, que não confiava em deixá-la à sós com esse estranho sumosacerdote. Enquanto isso, Lorde Byron despediu-se deles e saiu dali sendo acompanhado por Paulo de Tarso e indo ter com os guardas locais. Ryolith Fox e John Falkiner também deixaram o templo preocupados com o que se dava do lado de fora. Já Sirius Black e Rock dos Lobos permaneceram dentro do templo acompanhando a druida no aturdimento.
Melegost lembrou a todos ali que ele fora o responsável por libertar Sirius "você não era um ladrão da sombra?" Black da maldição imposta por Shar e retirar as trevas negras da druida de cabelos vermelhos. Com essas palavras, a feiticeira Leila ponderou sobre sua condição e mesmo com resistência, acreditou no que ele dizia e aceitou acompanhar Melegost. Do lado de fora, os embaixadores de Cormyr assistiam as ruas serem esvaziadas e os caminhos ficarem livres não só ali, mas também ao redor dos outros grandes templos próximos como os de Tyr e de Gond. Lembravam-se com preocupação que as trevas expurgadas de Daphne não haviam sido destruídas, mas sim  desaparecido cruzando o chão. Daphne era amparada por Sirius, que também não estava de todo recuperado. Rock dos Lobos continuava a pensar sobre como era possível que estivessem vivos se não haviam sido ressuscitados.. se haviam apenas cruzado um portal entre os planos.. e qual teria sido o destino do exército de Orcus e sua contraparte maligna. Havia muito mais em tudo aquilo.

Subitamente, as ponderações e temores deram lugar ao terror, quando as trevas se fizeram totais como se toda a luz simplesmente deixasse de existir. Iniciativas de gerar magias luminosas logo revelaram sem sucesso. Outras tentativas de feitiços e preces confirmaram que a magia não mais funcionava. Não só magias luminosas foi o que descobriram a seguir.. toda a forma de magia e até mesmo habilidades extraordinárias dependentes dela. Todos ali, cada qual a sua maneira, deram-se conta de que um mal maior se dera e buscaram se reagrupar, retornando ao interior da Basílica de Mystra. Daphne havia perdido os sentidos e Francisco não parecia estar em parte alguma. Conseguiram se reunir no saguão do templo, esperando algum tempo até o retorno de Leila Diniz. Sem sinal de Xavier e carregando sua amiga druida, Sirius Black lhes garantiu que poderia guiá-los e retirá-los dali, afinal de contas conhecia as vielas de Águas Profundas como ninguém. Sem magia e sem enxergar nada não viam outra solução. Deixaram o templo agrupados e com cautela.
Durante o caminho escutavam os gritos e preces desesperadas, mas contaram com a sorte das ruas estarem esvaziadas. Apenas os guardas e os cidadãos mais ousados ainda buscavam deixar as ruas na vã esperança de encontrar abrigo livre do que quer que fosse aquilo. Foram preciso algumas horas para que chegassem até a muralha leste da cidade, um caminho que antes fariam em poucos minutos. Lá acabaram atacados por uma criatura gelatinosa e escorregadia, que espreitava nas trevas. O ser ameboide lhes feria como ácido,  corroendo-lhes roupas e armaduras. Ele era pouco afetado por ataques e conseguia agarrá-los, já tão próximos do portão desprotegido da cidade.

Centenas de metros abaixo dali, Úrsula sentiu seu corpo ser puxado como quando fora tragada pela terra. Apesar da escuridão ser total, ela sabia que estava livre. Não conseguia ver nada, mas ouvia uma respiração próxima, que foi seguida de uma voz rouca e cansada, além de surpresa.
- Uma gnoma? Eu certamente esperava algo mais grandioso preso por um efeito tão poderoso. Quem é você, pequenina?
- Eu sou Úrsula Suarzineguer.. quem é você? - A matadora de magos perguntava enquanto percebia que suas posses mágicas não funcionavam.
- Eu sou Halaster Mantonegro, senhor deste plano. Vim averiguar o que se passa nessa confusão terrível impetrada pelos servos da Senhora da Escuridão e acabei encontrando você, embora eu esperasse me deparar com Khebel, Laeral ou outrem mais importante.
- Posso garantir que meu arco é devastador e.. - mesmo sem ver, Úrsula percebeu que em sua mente começou a se formar uma imagem turva e esfumaçada do ambiente. Ela percebia a taverna onde entrara atrás de Sirius e fora seguida pelos outros. O lugar estava vazio e em ruínas, destruído que fora pelo imenso crânio flamejante e voador que a aprisionara. Não havia sinal de seus companheiros ou de quem quer que fosse. - Como conseguiu me libertar.. como posso ver sem enxergar?
- Eu possuo poderes e magias que não dependem da Lady dos Mistérios, gnoma. Ainda assim, preciso inspecionar melhor o que se passa. Os servos de Shar de Águas Profundas parecem ter completado mais um de seus malditos pla...
- Halaster Mantonegro!!! Você quebrou o pacto e adentrou um território que não é seu. - Úrsula percebeu que aquela voz era do crânio que a aprisionara. Haviam nove deles agora pairando acima dela e do estranho mago de cabelos desgranhados. Eles falavam em uníssono e também não pareciam afetados pela falta de magia ou pelas trevas.
O arquimago Halaster fez apenas um gesto com o cajado que empunhava e a senhora Suarzineguer viu os crânios terem o mesmo destino que acontecera com ela naquele mesmo lugar. As criaturas foram tragadas pela terra e desapareceram totalmente sem deixar qualquer rastro.
- Vamos. Vou levá-la para um lugar seguro antes de continuar minha busca, aprendiz...

Chegando ao limite da Grande Floresta acompanhado do mais antigo e do mais novo membro do círculo druídico de Daphne, Ehtur Telcontar viu algo para o qual não estava preparado. A surpresa também não escapou aos outros dois servos da natureza. O trio viu o imenso paredão de trevas que havia para o oeste, imenso como uma montanha, negro como a noite sem luar.
- Aquilo está em Águas Profundas... - lamentou Gaios já repensando seu planejamento. - Não adianta levar Police.. ele não será de ajuda suficiente.. é preciso alguém mais experiente. - Tendo dito isso, o druida convocou outro dos seus, Costeau. Mesmo protestando, o ancião apresentou-se e dali seguiu com Ehtur. Eles fundiram-se às árvores da Grande Floresta, mas emergiram muito longe dali, já bem próximos da Costa da Espada.
Daquele ponto conseguiam ter uma real percepção da coluna tenebrosa. Além de ter quilômetros de altura, ela cercava toda a Cidade dos Esplendores e a área contígua, parecendo querer tocar o céu. Sem demora os dois puseram-se a avançar em sua direção.
Chegaram vindos do sul e Ehtur logo percebeu que não seria prudente adentrar as trevas. Mais do que uma escuridão, aquilo também afetava a magia e a natureza que envolvia. Enquanto estavam ali a estudar aquela estranha manifestação, algo foi expulso pela escuridão. O espectro disforme logo ganhou solidez e contornos, tornando-se novamente o luminoso e imorrível Francisco Xavier. Ele não sabia explicar o que havia acontecido e apenas se lembrava de estar no templo de Mystra esperando por Leila Diniz. Pode ao menos contar ao guardião o que se dera antes da escuridão, enquanto o guardião fora enterrar Alissah Eagle.

Rock usou da força bruta para arrombar o portão, enquanto Ryolith Fox ganhava tempo para que os demais seguissem atrás de Sirius, o mais adiantado dentre eles. Os ataques do paladino de Tyr apenas partiam a criatura em partes menores, que continuavam a atacar. Ele então partiu correndo atrás dos demais e deixando a cidade para trás. Correram o máximo que podiam, esperançosos de encontrar o fim daquela noite perpétua.
Eles precisaram afastar-se bastante das muralhas da cidade. O silêncio lá fora indicava que ninguém tivera a mesma sorte que eles. Quando finalmente a luz se fez pela estrada que chegava pelo leste, eles viram que não havia sinal de caravanas. Avistaram apenas três viajantes que logo reconheceram, mas Daphne ainda não se recuperara.

Úrsula voltou a enxergar e viu-se em um grande aposento. O ar ali era pesado e o lugar rústico e mal iluminado. Havia uma grande mesa onde dois sujeitos estavam sentados, além de outros quatro que por ali andavam. Eles fizeram um silêncio respeitoso ante a chegada de Halaster como alunos diante de um professor. O velho mago, no entanto, não se demorou por ali. Deu ordens a um deles que chamou de Trobriand. Ele orientou que a gnoma seria sua nova aprendiz e que os demais cuidassem dela como era devido. Ele tornou a partir para tratar das trevas conjuradas pelos servos de Shar. Úrsula viu que os olhares que lançaram para ela não foram animadores.

Úrsula "matadora de magos" Suarzineguer analisou o ambiente e seus ocupantes. Havia ali um elfo de pele escura, três humanos, um sujeito de aspecto pedregoso e um outro, grande e musculoso, que da cintura para baixo era um grande escorpião. Nenhum deles parecia confiável. A gnoma temeu pela própria segurança, embora aquilo fosse melhor que estar enterrada viva.
- Bem vinda ao Mundo Sob a Montanha. - dirigiu-se a ela o primeiro dos aprendizes em excelente gnomo. - Eu sou Trobriand, o Mago do Metal.
- Desculpem, mas eu não posso me demorar por aqui. Tem muita coisa acontecendo lá em cima...
- Não existem muitas saídas daqui, minha cara. Este lugar não é como os que você está acostumada. Mas venha comigo.. creio que possamos ter interesses em comum - disse o mago conduzindo-a em direção a uma porta.
- O que quer dizer com isso?
- Eu preciso que uma pessoa.. uma mulher.. uma mulher muito importante para mim seja resgatada em Águas Profundas. Se me prometer salvá-la, posso tirá-la daqui. Sem magias lá em cima eu seria inútil como uma pedra. Posso devolver sua liberdade em troca da sua ajuda. Você me parece o tipo de gente que consegue entrar e sair de lugares sem maiores problemas.
- Parece um bom negócio, mas eu não sou uma profunda conhecedora de Águas Profundas.
- Você não terá problemas para achá-la. Ela vive na grande mansão da família Amkathra na parte nobre da cidade. Seu nome Rose Anne Amkathra.. tire-a de lá e eu prometo que terá minha gratidão eterna.
- Tudo bem, eu prometo que vou fazer o possível.. mas como vai me tirar daqui.
- Atravesse esse portal.. - ele disse diante de uma parede de pedra. - Você sairá próxima de Águas Profundas.
Úrsula aceitou e seguiu em frente. Subitamente, estava cercada de água por todos os lados. Lutou para chegar à superfície. Quando conseguiu, viu os barcos que partiam fugindo à máxima velocidade possível. À frente, uma grande coluna de trevas se erguia onde antes havia uma cidade.


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