Enquanto seguiam juntos puderam ver a devastação por toda Cormyr, que não parecia mais do que uma terra de ninguém. O grupo formado por John Falkiner, Ryolith Fox, Palas Atenas, Bibiana Crommiel e Leopoldo dos Távios conduzia Lorde Byron, Paulo de Tarso e a paralisada Alissah Eagle. Eles cruzaram aquelas terras varridas pela guerra e pela escuridão. O céu era cinzento com nuvens estranhamente compridas e finas, que despejavam uma chuva insípida e insignificante. Não havia vento e o cheiro era de morte e pestilência. Campos queimados, animais mortos, vilas em ruínas era tudo que havia. Por dois dias acompanharam o caminho que o inimigo havia cruzado anteriormente. Eles eram a única luz naquelas trevas.
O cálice de Amaunthor novamente conduzido pela elfa Bibiana brilhava como o alvorecer esperançoso de uma amanhã. Até onde a luz chegava, a grama se revitalizava e pequeninas flores brancas despontavam. Eles sentiam a energia do artefato lhes renovar as forças todo o tempo, conseguindo evitar a fadiga e impulsionar-lhes a viagem. Apenas Paulo sentia um ininterrupto mal estar.
Depois de um longo dia, encontraram Suzail cercada e sitiada. Haviam milhares de orcs, trolls, goblins e outras criaturas que tomavam todos os arredores da cidade. Uma horda caótica e desgovernada simplesmente varrendo tudo. Os acampamentos eram fétidos e tumultuados. As forças da cidade atacavam das muralhas, que ainda permaneciam de pé, mas eram visíveis os muitos barcos que abandonavam a cidade rumo ao leste. Eles precisaram de um teleporte para chegar ao interior da cidade em segurança e evitar o cerco bem como a cidade voadora e suas bestas aladas.
Surgiram na basílica de Tyr. Palas Atenas tomou o rumo das muralhas para auxiliar na defesa do que restava de seu amado reino. Byron, Paulo de Tarso e a catatônica Alissah ficaram ali mesmo. Os três servos dos deuses e Leopoldo urgiram à máxima velocidade em direção ao templo de Lathander. Lá, encontraram clérigos noviços ainda, que cuidavam de feridos e desamparados da melhor forma possível. O responsável com quem trataram chamava-se Felício. Ele ficou surpreso com a grandiosidade do artefato, sentindo-se indigno de tarefa tão magnânima. Conforme as pessoas iam sendo curadas pela passagem da luz do cálice, tudo era encarado como um milagre do deus do Sol. Mesmo diante do aturdido clérigo, o poder solar do artefato se propagou. O ritual começou a surgir naturalmente na prece que todos iam murmurando de joelhos em adoração. Aquele cântico era um louvor à luz que sempre expulsa a escuridão.
Onde houve trevas
Eu fiz luz
Nada levas
O que o conduz
Não seria tal cruz
Mas sim o nascer
As forças primeiras da vida
Aquelas que vem do alvorecer
Das cores indefinidas
Com que lidas
E se hão de padecer
Também vão renascer
Nos filhos que irão conceber
Nos amores que irão ter
Na energia que será produzida
Mesmo que pra se perder
Nunca finda
Perpétua ainda
Abastece a luz mais linda
Faz brilhar o sol
Assim a verdade foi proferida
A cada palavra entoada o coro ia se ampliando e se estendendo. Assim como o canto, a luz também foi se espalhando por toda a cidade. O clérigo Felício Leite elevou o cálice de Amaunthor ao altar e a luz se derramou caudalosa sobre toda a cidade como um escudo protetor. Todo aquele esplendor incandescente expulsou a cidade voadora e suas tropas. Incomodados com a energia positiva e protetora daquela força, os monstros recuaram ainda que não para partir de vez. Suzail estava salva.
Ryolith Fox cresceu muito em prestígio junto a ordem de Tyr. Além de tornar-se um martelo do deus da justiça, posição de destaque e liderança na ordem, também foi aceito nas fileiras dos Purple Dragon já como oficial sob as ordem da Major Palas Atenas. A bela e pura paladina era uma das mais dedicadas e apaixonadas defensoras da Cidade Luz. Ryolith a acompanhava todo o tempo, como seu braço direito, ocupando a posição que um dia pertencera a Miguel Arcanjo.
John Falkiner recebeu uma doação de terra da primeira-ministra Caladnei para fundar um templo de Kelemvor, o deus da morte. Já angariara algum prestígio para o senhor dos mortos e seguidores fiéis, quando soube que Soubar havia sido atacada e tomada pelos elfos de Evereska, aliados de Nova Netheril. Seu coração lamentou, mas sua mente não via alternativa que não continuar naquela capital estrangeira para onde fora enviado. Leopoldo era sua constante companhia, também saudoso das áridas terras de seu lar.
Bibiana Crommiel além de se dedicar como uma das guardiãs e protetoras do Cálice do Sol, buscou juntos aos sábios e estudiosos um entendimento de sua nova condição. Por fim, revelou a todos que era o avatar de seu deus, Corellion Larethian, o Senhor de todos os elfos. Isso fez surgir e crescer em Suzail uma comunidade de elfos peregrinos e desgarrados desejosos de esperança em um futuro melhor.
Com o desaparecimento de Azhoun V e a morte de sua mãe, a regente Aluistar, a primeira-ministra Caladnei era uma governante vacilante diante das intrigas e queixas das casas nobres e comerciais da cidade. Sua origem estrangeira apenas colocava mais lenha na fogueira. Clamavam pela herança e glória de um reino que não existia mais, enquanto o porto era a única porta de comunicação com o mundo. Por mais que incursões pudessem ser feitas nas imediações, bastava afastar-se da luz protetora da cidade para deparar-se com dragões de trevas e hordas de orcs e trolls.
Lorde Byron e Paulo de Tarso permaneceram todo o tempo hospedados na Basílica de Tyr. Todo o tempo colaborativos, conversavam mais entre si e evitavam os grandes tumultos. Descobriram que não podiam ficar afastados mais do que algumas dezenas de metros um do outro ou de Alissah Eagle. Ela despertou graças ao poder incomensurável do Cálice do Sol, mas mesmo assim era um estado debilitado, que não a permitia sequer levantar-se da cama, numa agonia perpétua.
No dia seguinte, após darem a triste notícia a Deborah, o grupo deixou Brasillis com as palavras da clériga de Gaerl Ourobrilhante ecoando em suas mentes, com o peso da morte de Yorgói em suas consciências e com um mundo em frangalhos. Úrsula preferiu deixar o filho em segurança com sua amiga, prometendo-lhe que partia para trazer os maridos de ambas de volta, custe o que custar. Até lá, Deborah prometeu que zelaria pelo pequenino Arnoux II. Assim, partiram rumo à Cidade dos Esplendores, onde acreditavam terem melhores chances de resolver as coisas ou ao menos encontrar quem poderia fazê-lo. A druida Daphne se separou deles nesse ponto para ter com seu círculo druídico na Grande Floresta, prometendo encontrá-los antes do fim da jornada. Leila Diniz seguia escondida na bolsa mágica para evitar chamar qualquer atenção no caminho.
Enquanto iam para o sul, perceberam que a estrada estava deserta e toda a região parecia quase que abandonada. A primeira cidade no caminho estava vazia. Após uma rápida inspeção, Ehtur Telcontar percebeu que os rastros eram de vários dias e que não havia o movimento comum à pequena cidade. Quando chegou ao templo de Mielikki, a deusa dos guardiões, encontrou um outro como ele entregue a orações. Algumas frases trocadas levantaram suspeitas da presença do viajante ali sozinho. Foi Sirius Black quem percebeu que tratava-se de um espertalhão a tentar enganá-los.
Antes que ele pudesse escapar, o grupo o prendeu e interrogou. Sirius descobriu que tratava-se de um vil ladrão das sombras, que estava pilhando o templo da deusa da natureza. O bandido revelou que a guilda de criminosos logo tomará Águas Profundas, assim como já esticava suas mãos sobre toda a região com o caos do últimos tempos. Ehtur vendo que estavam perdendo tempo, sem discutir a questão, executou o bandido.
Francisco "o imorrível" Xavier aproveitou para tentar levantá-lo como um morto-vivo, como sempre fizera quando era um necromante vivo. No entanto, ele acabou transformando o sujeito em um imorrível como ele. O novo ser de luz que surgiu assumiu a forma de Razão, a pequenina familiar do mago. Diante de tal efeito, nas noites seguintes, enquanto montavam acampamento para que os demais descansassem, o não-vivo insistiu com Leila "morta-viva" Diniz para tentar o mesmo processo com ela, mas ela não aceitou. A feiticeira da Fortaleza da Vela por mais que odiasse sua atual condição temia as consequências de tal ato. Sua alma poderia voltar para o terrível Szas Tam ou até mesmo não ser recuperada do reino dos mortos.
Na cidade seguinte, já havia muito movimento, pois ao contrário de Yartar, que era caminho apenas para o oeste, Triboar também era o ponto de passagem para as rotas do norte que culminavam em Invernunca. Aqui as caravanas eram numerosas, em quantidade muito superior à capacidade da pequena cidade, o que criava um mar circundante de barracas envolvendo uma ilha de construções. Se vinham caravanas com cargas e produtos, numerosas caravanas de nobres e abastados mostrava que não eram poucos os que abandonavam a Cidade dos Esplendores. As notícias davam conta de uma série de assassinatos dos lordes regentes locais, obrigando o arquimago Khelben Cajado-Negro Arunsun a tomar as rédeas da cidade. Águas Profundas estava em estado de sítio era o que diziam.
Sirius Black via que a criminalidade se esbaldava sem controle nas posses de comerciantes e viajantes. Ele aproveitou a oportunidade de tamanha confusão para planejar o roubo a uma caravana de nobres aliados dos Ankathra. Na tentativa de auxiliá-lo e chamar atenção, Rock dos Lobos descobriu que os fantasmas de seus ancestrais pararam de atender ao seu chamado primitivo. Parece que seus poderes iam lhe faltando cada vez mais. Ainda assim, mesmo sem o auxílio dos colegas, Sirius Black usou seus poderes das sombras para invadir uma carruagem e roubar tapeçarias, objetos de arte e jóias que poderiam financiar o que precisassem.
Mais um dia e chegaram até Lariço Vermelho, a pequena cidade que antecedia Águas Profundas e de onde já era possível avistar as torres da Cidade dos Esplendores e o mar. Foi aqui que Daphne lhes encontrou após ter concluído a iniciação de Police, sobrinho de Sting com os demais druidas na Grande Floresta. Encontravam todas essas cidades-caravanas lotadas, mas esta estava como nenhuma outra. Descobriram que apenas cidadãos autorizados e caravanas conseguiam adentrar a metrópole, o que obrigava muita gente a permanecer ou retornar para Lariço Vermelho.
A experiente serva da natureza transformou-se em um pássaro de luz, surgindo em meio a todos como uma mensageira de Oghma. Ela relatou que o enviado de Oghma estava lá fora, aquele que tinha sido escolhido para lhes abençoar e trazer as respostas que buscavam, uma mensagem do próprio Oghma. A luz que iria guiá-los naquela escuridão. Assim sendo, a celebração transformou-se em uma procissão desejosa daquela benção sagrada, que seguiu o pássaro luminoso até o exterior da cidade. O sumo-sacerdote Guggle Ciahbe guiava as pessoas que cantavam pelas ruas de Águas Profundas até deixarem as muralhas. Lá chegando, o sacerdote chefe teve com Francisco Xavier e liberou a entrada de todos sob sua responsabilidade.
Não foram preciso mais que alguns minutos para deixar o servo do deus do conhecimento a par de tudo que havia se passado com eles e da mensagem que receberam de Oghma através de Sirius Black. Foi o próprio quem os levou até Khelben Arunsun. O arquimago os recebeu e ficou preocupado com as notícias graves que traziam, dos descaminhos desse mundo e também dos poderes de Orcus nos multiplanos. Apesar das obrigações que o prendiam a Águas Profundas, Khelben Cajado-Negro se dispôs a ir aos Sete Céus ter com os líderes celestiais e colocá-los a par das notícias que traziam. Enquanto isso, o grupo deveria ir até Suzail, a antiga capital do finado reino de Cormyr. Lá deveriam convencer os cormyrianos a utilizar o artefato do sol que os mantinha a salvo de Nova Netheril contra a Cidade Voadora das Sombras. Ele os enviou com um teleporte antes de partir para outro plano.
Ehtur Telcontar, Rock dos Lobos, a druida Daphne, Sirius Black, Úrsula Suarzineguer e Francisco Xavier, trazendo Leila Diniz escondida, surgiram no centro de Suzail, na grande praça próxima ao palácio e entre os principais templos da cidade. A luz brilhante e forte os ofuscou num primeiro momento, mas logo puderam dar-se conta de todo o brilho da cidade, em especial do templo de Lathander diante deles. Era dali a fonte de toda aquela energia. A chegada não passou desapercebida e logo os guardas mais próximos os cercaram. O martelo de Tyr Ryolith Fox reconheceu os antigos camaradas e os saudou com palavras amistosas, antes de perder o sorriso e encrencar com Sirius Black.
- Finalmente você irá pagar por seus crimes, Sirius Black. Você está preso em nome da justiça de Tyr e do reino de Cormyr.
- Preso? Claro, claro. Bem humorado como sempre, Ryolith.. na verdade, nós temos uma missão importante e...
- Não me interessa! Finalmente vou fazer você pagar por seus crimes, bandido.
- Acalme-se, Ryolith.. - interviu Daphne. - Realmente nós temos uma importante missão.. somos embaixadores de Águas Profundas.. fomos enviados por Khelben Arunsun...
- Isso em nada anula ou redime ou crimes impetrados por este vil bandido, Daphne da Grande Floresta. Tráfico de escravos, cárcere privado, roubo, corrupção...
- Quem são esses, Ryolith? - perguntou John Falkiner.
- Estes são antigos aliados, John. Eles me ajudaram no passado e...
- E agora viemos buscar a ajuda de vocês.. - interviu Daphne. - Nós precisamos do artefato que protege a cidade de vocês...
- Sinto, mas não creio que isto esteja sob nossa tutela, senhores. Certamente, teriam que ter com os responsáveis pelo templo e pela cidade - respondeu o clérigo de Kelemvor.
- Levem-nos até eles.. nós precisamos do artefato para atacar o coração de Nova Netheril! - disse a druida.
- Vocês só podem estar loucos... o que os faz pensar que teriam sucesso? A magia não funciona no deserto... - repeliu a ideia John Falkiner, enquanto de dentro do templo do deus do sol surgiu Lorde Byron, para surpresa de todos, que observava tudo. Dentro do templo, Paulo seguia orando.
- O que você está fazendo aqui, Byron?
- Eu escapei do reino de Orcus agora que ele marcha sobre os Nove Infernos e ceifa as Planícies Cinzentas com o clone maligno do amigo de vocês. Graças à ajuda de Paulo de Tarso e Alissah, através de um ritual, conseguimos escapar e encontrar refúgio aqui nessa terra encantada.
- Alissah está aqui? - disse Ehtur sem esperar resposta e entrando no templo atrás do cheiro da mulher que parecia procurar desde sempre.
- De qualquer forma, seja como for, não adianta ficar aqui assim. Ou vocês acham que adianta só se defender pra sempre? É preciso arriscar! - disse Sirius.
- É preciso fazê-lo pagar por seus crimes, isso sim, fanfarrão. Você vem comigo! - agarrou-o Ryolith. Seguiu-se uma longa e acalorada discussão onde nenhum dos pontos de vista prevalecia. Cada vez mais gente juntava-se àquela discussão, inclusive porque os soldados cuidaram de chamar a primeira-ministra Caladnei. Esta decretou que o artefato, a única garantia de sobrevivência da cidade não deixaria seus muros. A frustração tomou conta do grupo, mas não parecia haver meios de convencer os líderes de Suzail. Já pensavam em partir e simplesmente encontrar Khelben Arunsun para relatar o fracasso da missão.
Enquanto isso, Ehtur Telcontar, pouco afeito a discussões, já havia chegado ao pequeno quarto no templo de onde vinha o cheiro adocicado e inesquecível da elfa verde que um dia lhe acompanhara. Ao abrir a porta, o guardião a encontrou deitada em uma cama. Estava pálida e fraca, quase morta. Ele entrou e pegou a pequenina mão dela com a mão grossa e calejada dele.
- Alissah?
- Eh.. Ehtur.. q.. que.. b.. bom.. q.. que está aqui. N.. não sa.. sabe co.. como eu so.. nhei em revê-lo..
- O que houve? Você não parece bem.. parece envenenada.. eu possuo algumas ervas e..
- Na.. nada po.. de ser feito por mim. Shar colocou alguma mal.. dição ter.. terrível em mim. Algo que me de.. vora por dentro, corrói minhas entranhas e suga minha alma. Ne.. nhu.. ma ma.. magia dos clé.. rigos foi ca.. paz de me cu.. rar e ape.. nas a for.. ça do ar.. te.. fato me fez des.. per.. tar, mas ape.. nas pa.. ra me man.. manter assim.. semi-viva.. pre.. sa a es.. sa cama e a es.. se quarto.. mas ao me.. nos ago.. ra vo.. você está aqui comigo... - disse a elfa com muito esforço.
- Eu sei quem pode ajudá-la. - Ehtur saiu e retornou com Francisco Xavier, enquanto lá fora os outros ainda estavam concentrados na discussão sobre o cálice. - Faça algum milagre, Xavier. Use seus novos poderes para curá-la.. eu vi do que você é capaz.
Francisco Xavier usou todo seu poder e conhecimento. Lançou magias e bençãos, que no entanto mostraram-se inúteis como Alissah já havia alertado. Enquanto isso, Ehtur assistia ao sofrimento da jovem elfa da Grande Floresta com aperto no coração.
- Há algo superior.. muito forte.. que desfaz qualquer coisa positiva que eu lance sobre ela. É como se uma parte da própria Shar a habitasse.
- Isso me devora por dentro...
- Só há uma solução então.. - e deixando correr uma lágrima e sem pensar duas vezes, Ehtur pegou suas ervas e envenenou Alissah Eagle. Foi preciso menos de um minuto para retirar-lhe a vida. Nesse exato momento, do lado de fora, os corpos de Byron e Paulo de Tarso tombaram sem vida no chão para surpresa de todos.
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