Ela já teve dois nomes e muitos epítetos. Ela surgiu no princípio. Sentiu aquele toque ajudando-a a se levantar. Ela o olhou pela primeira vez como o olhou todas as outras vezes. A sinfonia criadora ainda tocava quando eles começaram a bailar pela primeira vez. Ao mesmo que se enamorava e seus cabelos se embaraçavam, ela percebia aquele povo, aquelas vidas, aqueles interesses longínquos que conformavam sua existência: uma mulher que envolvia seu recém-nascido; uma menina que se admirava com uma borboleta pousando na ponta de sua orelha; uma anciã que contava histórias enquanto bordava. Tantas delas, que despertavam do sono desde antes da viagem. Um novo conformar.
Com a dança e a música veio a prosperidade nesse mundo novo. Esse mundo não conhecia nada como o belo povo que chegava. Era um mundo bruto, rústico, mas ainda assim magnífico. Seu consorte anunciou a todos que aquela seria a nova morada dos elfos. Assim como os Seldarine se entenderiam com as divindades desse mundo, também os elfos deviam se aproximar e se apresentaram àquele mundo e seus habitantes.
Araunshee viu seus filhos povoarem as florestas daquele mundo. Eles não eram seus verdadeiros filhos. Seu amor por Corellon Larethian, pai de todos os elfos,
lhe dera dois filhos: o jovem Vhaeraun, deus da esperteza e da juventude e a pequenina Elistraee, a deusa do nascimento. Ele representava a jovialidade e o espírito da mudança próprio dos jovens, que seu pai já não podia mais inspirar. Ela representava esses tantos nascimentos que se apresentavam aos elfos. Ambos tinham a bela pele negra de sua mãe, mas os olhos azuis do pai. Os que adoravam a senhora dos elfos acima de tudo eram chamados Illythir, filhos da mãe na primeira língua.
Mas entre os outros elfos, outra era a mãe do belo povo. Sehanine fora a primeira esposa de Corellon, mas nunca aceitara o pai dos elfos como o primeiro, mas sim como seu igual. Era ele também seu filhos afinal de contas. Eles brincaram e competiram no princípio. O êxtase dos começos mascarava as frustrações das brigas que iam surgindo. O filho que eles tiveram, Solonor Larethian, ao invés de unir seus pais, jogou-os de vez um contra o outro. Assim, o jovem deus da guerra viu seus pais destoarem nos versos e aconchegou-se ao peito da mãe. Ao rei dos elfos restou o trono e a solidão.
Mas isso durou pouco, pois Araunshee logo o encantou com sua doçura e admiração eloquente. Isso foi antes dos servos do mal corromperem e macularem a essência da existência. Antes dos elfos precisarem partir pelos portais para outra existência,
Nesse novo mundo, Corellon entendeu-se bem com Silvanus, senhor do que vive, Chauntea, aquela que era o próprio mundo, Selune, a primeira filha, Jergal, senhor dos mortos, Morpheus, senhor dos sonhos, e Bahamut, senhor dos dragões. Mas também inimizades surgiram com Shar, o caos, Talos, a destruição, Tiamat, senhora dos dragões, e seu inimigo supremo, Gruumsh, senhor dos orcs, cujo olho arrancou na primeira batalha.
Os elfos mostraram aos outros povos sua magia, mas apenas os dragões a compreenderam e a melhoraram enquanto ainda existiam como um povo, antes dos próprios elfos os amaldiçoarem por isso. Os outros preferiam a magia simples de manipular a força tênues do mundo e não os pontos nodais em si mesmos. A alta magia élfica ancorada na energia comum do belo povo ergueu impérios e mythais capazes de protegê-los e potencializá-los.
Porém, entre os deuses e entre o povo élfico, pequenas fissuras começavam a comprometer a estrutura que se expandia. O jovem deus da guerra cada vez mais alimentava seu povo a combater e levar a batalha aos inimigos com impetuosidade e destemor. Tinha sempre ao seu lado seu jovem irmão Vhaeraun, muitas vezes se entregando os dois às batalhas contra as hordas de orcs em meio aos mortais.
Corellon tinha muita satisfação com aquela amizade, mas Sehanine e Araunshee não a viam com bons olhos. Sehanine, deusa do amor, deusa da fertilidade, deusa da experiência, entendia que um conflito entre os dois herdeiros era inevitável, alertando seu filho, mas sem intervir diretamente. Araunshee temia o que a antiga esposa de seu marido pudesse fazer contra seu filho. Ela temia a atenção que seu marido dedicava a ela e ao filho dela.
Foi nessa época que Araunshee conheceu o anjo Malkizid. Ele veio como embaixador de Zaphkiel, senhor dos Sete Céus, que alguns chamava de Deus Uno, para ter com Corellon. Ela percebeu que o anjo se encantou por ela, deusa da paixão, do interesse, do prazer. Embora adorasse seu marido mais do que tudo, Araunshee não deixou de dar atenção aos olhares do anjo.
Quando foi a hora de Corellon Larethian enviar alguém de sua confiança na embaixada aos Sete Céus, Solonor recusou a missão. A discussão foi áspera. No mundo, reinos élficos lutavam entre si. Até mesmo pactos satânicos eram celebrados entre alguns do belo povo.
Foi Vhaeraun quem aceitou a missão e foi com Malkizid, mas eles nunca chegaram aos Sete Céus. Malkizid aceitou a oferta do amor de Araunshee em troca do poder para derrotar Corellon, enfraquecido que estava pelas disputas com o próprio filho. Ele seu uniu à deusa nas cavernas sombrias do Abismo e desejou-a ainda mais.
As famosas Guerras da Coroa se seguiram. Cinco ao todo, onde os Illythir foram expulsos para baixo da terra. Passaram a ser chamados drows. Araunshee passou a ser Lolth. Junto com ela, seus filhos e Vaehrun foram expulsos dos Seldarine por Corellon, que ainda chorava o assassinato de seu filho Solonor. Não fosse a união de Sehanine a outra duas deusas elfas, Aerdri e Hanali, para formar Angahard, a senhora de tudo, e ele também teria sido morto.
Lolth cooptou demônios para seu ninho de teia no Abismo. Seu amante, no entanto, foi aprisionado na limite do caos absoluto. Uma prisão de onde nunca poderia ter sido libertado, enquanto algo ainda existisse. Uma prisão feita de nada, onde apenas o vazio o acompanhava.
A senhora dos drows jurou que se vingaria daquela derrota. Ela teria sua vitória qualquer que fosse o sacrifício.
Quando Malkizid retornou após ser libertado pela chave dos planos, ela sabia que a hora de sua vitória chegara. A partida dos deuses elfos para o mundo de onde haviam vindo, apenas facilitou isso. Ela sabia que assim poderia facilmente destruir a tola mortal promovida a deusa, todos os filhos de Corellon e Sehanine, e governar sobre as ruínas que restassem. Então ela envolveria tudo em sua teia, podendo até mesmo descartar aquele velho mundo como uma casca seca de serpente.
Primeiro, a deusa dos drows sumiu completamente, silenciando até para seus filhos mais devotos. Depois, um a um, ela sacrificou seus filhos e aliados. Vhaeraun, seu primogênito, foi o último, e isso a banhou com um poder tão incomensurável, que a própria tessitura da existência tremeu. Foram tantos dentre os drows mortais que haviam sido sacrificados em sua glória, que ela abraçou as energias negativas para trazê-los de volta como um cortejo de mortos-vivos.
Quando o ignóbil mortal Rhange Hesysthance Sorrowleaf acendeu a deusa da magia e mudou seu funcionamento, foi como se escancarassem as portas para sua vitória. Era agora o momento de sacrificar seus inimigos...
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