Kaliandra Boaventura e Sérgio Reis tiveram o mesmo sonho, enquanto repousavam sob a vigilância dos colegas, ali tão próximos da ruína da cidade dos drows na profundeza da terra.
Havia um homem estendido sobre um altar de Bibiana. O altor da sagrada basílica de Bibiana em Evereska. O sujeito era um bonito elfo com as insignias da deusa do belo povo. Ao redor dele, protegendo-o estava um grupo de heróis. Um quarteto de gnomos, uma elfa verde e um poderoso guerreiro com uma lança era os defensores. Diante deles, ameaçando a tudo e a todos estava um anjo de aspecto demoníaco. Ele tinha cicatrizes por todo o corpo cinzento e parecia a essência do próprio medo. O fim parecia próximo.
Chuck Norris teve o mesmo sonho que Mari'bel, ainda que a fada dormisse apenas o primeiro turno, devendo fazer o segundo com seu mestre Raven Eagle. Os servos da natureza, assim como os demais Eagles, tiveram o mesmo sonho. Vendo-se sozinhos em meio à Grande Floresta, cada um viu-se andar em direção a uma ampla clareira, onde reuniam-se centenas de druidas e guardiões de todos os tempos. Ao centro, haviam um velho homem, de longa e branca barba, olhar cansado, que era ladeado por uma bela jovem, que trazia consigo lança e escudo. Diante deles estava uma velha senhora, de bochechas grandes e rosadas e ancas largas. Massageando os ombros dessa estava um belo e garboso rapaz de cabelos dourados. Enquanto discutiam com veemência, o que também instigava todos os servos da natureza ao redor, uma torrente de escuridão se derramou sobre todos, tornando o mundo frio e negro. Cada vez mais frio. Nada mais se via. Nada mais se ouvia. Apenas o frio havia a roubar o calor do corpo. E logo nem isso.
Rufus Lightfoot sonhou com um banquete. Bolos, sonhos, tortas, queijos, doces, melados, compotas, sanduíches, sucos, vitaminas, refrescos, licores, assados e todo sortilégio de quitutes cobriam uma vasta mesa onde ele e Azuzu se fartavam. O hobbit escutou batidas na porta atrás dele e se virou, enquanto devorava uma farta coxa de peru selvagem. As batidas cessaram, mas ao se virar de novo, já não havia comida, só restando a coxa que trazia consigo e continuava a comer. Ele e Azuzu agora estavam em um deserto sem fim. As areias douradas atingiam-no com o vento e a secura já incomodava sua garganta. Ao olhar para seu fiel cão, Rufus viu Azuzu definhar como se não comesse ou bebesse há muito tempo. Antes que pudesse fazer algo, o animal caiu como um saco de ossos e pele sobre a areia, que ia cobrindo-o. Logo, ele viu-se tombando ao lado do fiel companheiro agarrando a própria garganta suplicante por água, sentindo a vida secar em seu corpo.
Braad sonhou que vagava por uma das vastas bibliotecas da Fortaleza da Vela. Estantes altíssimas o circundavam com seus livros e tomos, além de pilhas de papéis e pergaminhos sobre mesas e móveis. Ele sentia que buscava por algo, embora não soubesse o que. Foi quando viu um largo rolo de pergaminho que tombou e correu abrindo-se em sua direção. Os símbolos que iam se formando contavam uma estranha história que ele não conseguia compreender, muito embora reconhecesse vários dos sinais como algumas das marcas que trazia em seu corpo. Isso o fez trilhar aquela história seguindo o pergaminho que se abria, como alguém que nada para a luz buscando a superfície. Por fim, uma tinta negra cobriu todo o pergaminho, passando ao chão e tudo mais. As trevas cobriram tudo e passaram a agarrar a carne dele, a subir por suas pernas até consumi-lo totalmente.
Derdeil Óphodda sonhou com sua terra natal. Reconheceu as torres flutuantes de Halarah, a capital de Halruaa, assim como os navios voadores famosos de seu reino. Ele percebeu que estava na Avenida dos Pioneiros, diante da Torre da Ciência Absoluta, onde residia o grande Zalathorm, líder do conselho dos elderes, que governava como um rei sob a inspiração de Savras, deus da divinação. No entanto, Derdeil viu que quem estava sentado ao trono agora era ele como supremo líder da magocracia. Diante de si, Derdeil via passar uma extenso desfile como o que se dava na comemoração da chegada dos refugiados de Netherill e da fundação do reino dos magos. Uma multidão circundava o cortejo tomada pelo êxtase da admiração. Os passistas traziam estandartes e flâmulas com o símbolo da casa Óphodda, de Azuth e da escola arcana de evocação, além de éfiges e bustos do próprio Derdeil, exaltando-o como a um líder absoluto.
Mari'bel acordou um tanto sobressaltada e viu que Raven também parecia incomodado quando renderam Braad e Ravena que foram deitar-se. O sono dos companheiros parecia inquieto, apenas Derdeil dormia feliz como um bebê.
- Sonhei com uma escuridão na Grande Floresta... - ela murmurou olhando desconfiado para a porta que guardava os ladinos drows que os ajudariam contra os clérigos drows.
- Eu sei... eu também... e os demais pelo visto... - disse Raven abaixando-se e passando um dedo sobre o chão.
- Tudo aqui me deixa desconfortável... - Mari'bel sacou seu arco como se fosse a única coisa que pudesse deixá-la mais tranquila.
- Então venha comigo... - falou o Iniciado do Arco enquanto levantava e ia deixando o túnel que os trouxera até os drows. Foi só então que a fada percebeu que Swam Eagle não estava por ali. Pensou se não seria melhor acordar os outros, mas para não perdê-lo no corredor sinuoso, acabou seguindo sem questionar.
Na entrada da caverna, Raven finalmente parou. Ele apontou o imenso demônio rubro patrulhando o céu acima das ruínas próximo ao castelo. Mari'bel não via qualquer sinal de rastro da elfa verde, mas sentia um tênue aroma de seu perfume, como se ela tivesse saído já há bastante tempo.
- Ela está nas ruínas...
- Vamos chamar os outros e...
- Agora é hora de avançar no seu treinamento... - disse o guardião escondendo-se e saindo.
Derdeil Óphodda, que acordou envaidecido e satisfeito com o próprio sonho, foi o único que não percebeu que Swam, Mari'bel e Raven não estavam por ali. Todos os demais, que acordaram sobressaltados com seus respectivos sonhos logo deram falta do trio verde. Ravena se pôs a buscar os rastros e encontrou os de Raven e Mari'bel, mas não os de Swam. As pegadas dos dois arqueiros iam em direção à entrada do túnel sinuoso e não tinham mais do que quatro horas.
O mestre da bebedeira Braad deu mais atenção a uma nova marca que surgiu no seu corpo, na lateral do abdômen. O sinal parecia uma queimadura antiga e ele o vira em seu sonho. Sérgio Reis, no entanto, não viu qualquer significado possível nela, além de um machucado aleatório de algum carnaval mais animado. Assim sendo, enquanto a maioria dos outros preferia acompanhar Ravena, o monge abriu uma garrafa e bateu na porta do refúgio dos Escondidos.
Depois de algum tempo, um dos drows a abriu.
- Estão prontos para partir? - Disse o sujeito que trajava uma armadura média de mythral, ao contrário dos demais e não falara muito até então. A conversa se dera com o líder Hamadh, que entrara em um acordo e os guiaria até as muralhas da cidade arruinada à salvo das tropas dos gigantes de fogo. - Eu sou Karas e irei levá-los. Espere um pouco... por que você trás o símbolo da casa Morcane em sua carne, humano?
- Morcaine? No conosco, señor.. que és?
- Era uma casa drow... - intrometeu-se o bardo Sérgio. - Uma casa nobre... vivem sob a Grande Floresta.
- Eles deixaram Maermydra, pois aqui não tinham qualquer importância, indo serem senhores de um entreposto comercial ao sul daqui - completou Karas, enquanto um rato selvagem correu pelo corredor. Eles entenderam que se tratava do entreposto onde foram parar com o sequestro de Mari'bel e Kaliandra.
- Melhor continuar.. - disse Kaliandra vendo que os demais sumiam no caminho.
- Mas aqui parece tão seguro... - lamentou o corvo Edgar pousado no ombro da guerreira e maga.
Acompanhando, chegaram à entrada do túnel secreto avistando novamente toda a extensão da caverna. A cidade, mesmo em ruínas, ainda ocupava a maior parte do espaço. Haviam fogueiras e deslizamentos por todos os lados. Margeando a muralha tombada estavam as tropas dos gigantes do fogo. Elas sitiavam a cidade e o castelo na parede leste, que era a única coisa que restava em plenas condições. No sul da caverna, havia ainda outra construção de pé, um grande ginásio, embora estivesse avariado. Na parede oeste, sobre um platô haviam ruínas de casas nobres e do que parecia um templo. Próximos deles, à esquerda, as ruínas de um par de torres mais isoladas. Perceberam que um portão na parede norte, guardado por quatro gigantes do fogo, fechava um largo túnel.
Ravena tentava explicar aos outros que Raven e Mari'bel haviam descido para as ruínas, sem dar conta de Swam, quando a atenção de todos foi capturada pelo enorme demônio vermelho e chifrudo, com asas de morcego que parou diante da parte alta do castelo. Ele lançou uma magia para desfazer as proteções mágicas do palácio, mas não teve efeito. A criatura de outro plano era um diabo na verdade, esclareceu Derdeil, um diabo das profundezas. Um ser muito além do poder de qualquer um ali.
- Mas talvez o poder de vocês seja suficiente para fazer mais... - observou Karas.
- O que quer dizer? - Questionou Derdeil.
- Vocês são um grupo poderoso... poderiam entrar nos aposentos do líder desse exército e derrubá-lo. Cortar a cabeça de um e acabar com essa invasão... - acrescentou o drow.
- Qual seu interesse nesso? - Estranhou Braad.
- Estou apenas pensando no potencial de vocês. Os servos de Lolth que tomaram de volta o poder que havia sido tomado da família Maermydra são desprezíveis... eu sou um servo de Vaehrun. Pra mim, são todos desprezíveis - disse Karas, um clérigo do deus dos ladrões dos drow e filho de Lolth.
- Nosso objetivo é resgatar os elfos verdes aprisionados! - Disse Kaliandra com convicção.
- Pelo que vejo, vocês estão mais perdendo os elfos verdes que tinham... - cutucou Karas.
- Os rastros de Raven e Mari'bel vão em direção àquela escuridão na parede da caverna... - interrompeu Ravena.
- Essa fadinha... - comentou Chuck Norris, enquanto Felicia assumia a forma de um besouro das profundezas, inseto típico das cavernas de Faerun e saia voando.
A discussão, no entanto, foi interrompida pela aproximação de um grande grupo que deixou as ruínas. Quase duas dezenas de seres, entre mortos-vivos e drows vinham circundando Swam Eagle. A maioria achou prudente se esconder, enquanto Kaliandra mandou uma mensagem mágica para a elfa verde.
- Swam, estamos procurando você. Onde você está? Aconteceu alguma coisa?
- Estou voltando com ajuda... esperem por mim tranquilos e despreocupados - ela disse e todos entenderam que ela não estava agindo em prol deles, mas sim dos drows que a acompanhavam.
Derdeil Óphodda optou por esperar abertamente do lado de fora, enquanto Karas e Sérgio estavam na entrada do túnel secreto e todos os demais escondidos do lado de fora. Os drows não deram tempo para conversa e já começaram a disparar suas setas envenenadas. Duas atingiram o mago, mesmo que este tenha invocado uma proteção mágica e o veneno o enfraqueceu.
Rufus Lightfoot aproveitou o início da confusão para escapar escondido pela esquerda. Ele e Azuzu tentavam evitar os mortos-vivos drows sem pele que subiam rapidamente cuspindo ácido. Braad, por sua vez, partiu em carga cuspindo cachaça, evitando os mortos-vivos e chegando aos drows. Kaliandra se posicionou para a batalha. Derdeil conjurou uma esfera flamejante e lançou-a contra os drows, vencendo a resistência mágica destes. Chuck Norris assumiu a forma de um tigre selvagem. Sérgio Reis invocou um relâmpago de sua varinha sobre cinco dos drows, mas venceu a resistência de apenas dois deles, enquanto o drow Karas fugiu para o interior do túnel e Ravena Eagle disparou suas flechas. Os inimigos drows tentaram avançar e Braad derrubou um deles. Os demais atiraram e conseguiram envenenar o druida tigre, ao mesmo tempo que os mortos-vivos cercaram os que guardam a entrada do túnel secreto.
Rufus saiu de seu esconderijo em carga indo ajudar o monge, assim como Kaliandra com sua espada longa. Derdeil moveu sua esfera para afetar os inimigos, recuou e ainda invocou um desfazer magia sobre Swam, que conseguiu quebrar o efeito de dominação que a controlava desde que atravessara o portal sem que ninguém se desse conta. Chuck Norris, mesmo em forma de tigre selvagem, achou melhor conjurar uma magia de luz do dia sobre uma pedra, criando uma enorme luminosidade, que sua águia Izabeau carregou e lançou sobre os drows deixando-os penalizados. Isso, no entanto, atraiu também atenção indesejada.
O bardo Sérgio Reis enfim começou a cantar para instigar seus companheiros, enquanto recuava ainda mais para o interior do túnel. Ele acabou por topar com Karas, que sacrificou a própria vitalidade e lançou uma magia arcana para dominar o humano, que resistiu e sentia-se em perigo aqui também. Ravena vitimou mais um dos drows com suas flechadas, assim como Braad terminou o serviço com o seu. Os drows, no entanto, não retrocederam. Um deles anulou a luminosidade mágica, com uma escuridão mágica. Outros se posicionaram e dispararam setas que envenenaram Ravena. Os mortos-vivos alcançaram o druida e feriram-no com o ácido, enquanto o drow mais adiantado os protegeu com outra escuridão. Quando a revoada de sete flechas caiu sobre os inimigos próximos das elfas, do monge e do hobbit, vinda da esquerda, todos viram enfim chegar Raven Eagle e Mari'bel a uma distância segura.
Aproveitando a cobertura, Rufus deixou mais um golpe e refugiou-se escondidos entre as pedras do caminho. Kaliandra Boaventura resgatou heroicamente Swam Eagle e recuou em direção aos arqueiros, assim como Ravena, muito fraca com o veneno. Braad ta,bém recuou no mesmo rumo. Derdeil recuou para o interior do túnel. Todos já viam o diabo das profundezas se aproximar. Por isso mesmo, além de recuar, Chuck se protegeu com uma magia de resistência ao fogo, que mostrou-se necessária contra a bola de fogo que o extraplanar lançou a seguir sobre ele, o drow e os mortos-vivos. Isso além de desfazer a escuridão.
No interior do túnel, Derdeil que acabava de chegar, viu Sérgio esquivar-se de Karas e fulminá-lo com um raio. Apesar de ferido, o drow preferiu estender uma poção para o mago recém-chegado.
- Beba, meu amigo. Seu aliado está contra os drows errados e...
- Não beba esse veneno, mago! Ele tentou me dominar!!! - Alertou Reis.
- Você que é uma mente superior, mago, deve ter mais controle sobre esse inconsequente. Eu tenho o conhecimento daqueles que manipulam a magia divina e arcana... ao mesmo tempo... a arte dos Teurgístas Místicos.
Com a chegada do diabo, três dos drows optaram por fugir. Outros dois escolheram se esconder, enquanto os mortos-vivos seguiram túnel adentro atrás de Derdeil. Raven e Mari'bel deram conta de um dos drows fujões. Rufus que estava bem escondido mais abaixo, avistou a tropa de bugbears e orcs que chegava liderada por dois gigantes do fogo. Kaliandra e os demais enfim alcançaram o casal de arqueiros.
Encurralados no túnel e ferido pelo ácido dos mortos-vivos, os três usuários de magia pareciam condenados. Porém, Derdeil Óphodda clamou por seus poderes de escolhido de Azuth e teleportou os três para o lado de fora, escapando dos mortos-vivos, mas surgindo diante do diabo. O diabo das profundezas que invocava seus poderes infernais e fazia os dois drows escondidos explodirem como se fossem pipocas de carne, inclusive um que Chuck agarrara.
Enquanto todos aguardavam atônitos, Sérgio preferiu atacar Karas mesmo na iminência de ser implodido pelo diabo. Foi o evocador Derdeil Óphodda que tomou as rédeas da situação. Ele caminhou até o corpo ainda interior de um dos drows tombados por Braad. Sacou sua adaga e degolou-o com precisão cirúrgica.
- Que esta alma impura seja ofertada ao poderoso ser que comanda meu destino e é senhor de todos os magos. Receba, ó grande Azuth esse presente de seu escolhido e fiel seguidor para que abasteça a força maior da existência! Kikerááá'!!!
Com esta palavra de poder, todos viram a alma pálida e bruxulenta deixar o corpo do drow e subir até ser absorvida pelo diabo, que pareceu olhar o mago com outros olhos.