7 de jul. de 2013

O Tempo dos Problemas...

- Aquele é o pequeno Sirius Pereira. Fica sempre assim nas sombras e pelos cantos... - indicou com uma voz doce a tal Luna. A serva de Selune parecia a responsável por aquele pequeno orfanato. O prédio modesto e mal-estruturado era parte de um conjunto de três barracos que formavam a taverna Sorriso de Selune e o mercado de pulgas Eclipse. Havia cerca de uma dúzia de crianças. Sirius Black via que Sirius Pereira era um menino de 8 anos, magro e pequeno, sentado em um canto enquanto alguns meninos maiores o perturbavam. Sirius sabia que era ele mesmo dez anos mais jovem. - Você é parente dele? Há uma certa semelhança e...
- Eu o conheço, mas não sou parente dele. Sei que ele vai ter um futuro difícil.. ninguém quer se ocupar de um menino dessa idade.. você sabe dos pais?
- Não sabemos nada.. - Luna disse lamentando com sinceridade. Sirius Black percebia que essa mulher de quem não se recordava era uma pessoa de boa índole, além da beleza ingênua. Deveria ter pouco mais de 20 anos.
- Posso falar com ele?
- Claro.. eu tenho outras coisas pra fazer, mas se precisar, pode falar com Roberta ou Kiriani.. - ela disse indicando as duas garotas, que pareciam ter cerca de 14 anos. Sirius se lembrava que fora cuidado por meninas maiores, mas não se recordava se eram esses os nomes. Uma delas olhou Sirius Black de maneira lasciva, enquanto a outra baixou os olhos como uma menina acanhada.
Ele caminhou em direção ao garoto, o que fez os demais meninos se afastarem. Black se ajoelhou diante do menino Sirius e encarou-o nos olhos amedrontados. O menino sentiu uma empatia nos olhos do jovem homem. Black pegou uma de suas adagas e deu ao garoto.
- Isso aqui, garoto, vai ser a sua salvação. Chegou a hora de virar homem. Aprenda a usar e ninguém mais vai dificultar pra você.
O menino segurou a arma com receio antes de dizer:
- Mas eu prefiro fazer poesias e...
- Nada de poesias, moleque. Seu negócio agora é furar.
- Quem é você?
- Eu sou um amigo.. um dia você vai entender.. agora tá na hora de você começar a virar homem. A gente não escolhe as dificuldades da vida, moleque. Ou você enfrenta os problemas ou eles enfrentam você. Você tem que ser liso quando possível, ser rápido quando preciso e ser preciso se tiver oportunidade. Além disso, lembre-se de Selune..
- Selune.. bem.. é que eu pensei em.. Shar...
- Esquece disso, moleque.. isso é treta. Selune vai te proteger...
Sirius Pereira baixou os olhos para ver melhor a adaga finamente trabalhada. Quando ergueu o olhar, o homem já havia deixado o orfanato e seguia andando ao lado de um outro homem jovem que vestia um manto branco. Enquanto eles partiam, Roberta e Kiriani tinham trabalho para desarmar o garoto.
- O problema temporal é real. Aquele sou eu criança, eu não devia estar aqui.
- Nós não devíamos estar aqui. Nem os outros que seguiram para o templo de Tyr. Creio que apenas Oghma, o senhor do conhecimento saiba sobre o que está se dando. Na Fortaleza da Vela, não temos nenhum livro sobre viagens pelo tempo.
- Melhor irmos atrás deles, Xavier.

Enquanto os dois seguiam para o templo de Tyr, iam se aproximando da área central de Águas Profundas. Essa parte mais antiga era o encontro de todas as grandes avenidas da metrópole e também concentrava os prédios de interesse público. A maioria dos templos e basílicas ocupavam grandes terrenos e rivalizavam na grandiosidade. Foi ali que viram cair a energia luminosa como um cometa vindo dos céus sobre um dos enormes templos da região central de Águas Profundas. Francisco Xavier viu que era o templo de Mystra com suas incontáveis torres. Antes que pudessem prosseguir, o caos tomou conta da cidade. Todos que estavam nas ruas passaram a fugir desordenadamente, enquanto os que estavam em casas e prédios fecharam-se como puderam.
A explosão luminosa chamou pouca atenção dos que estavam reunidos no templo de Tyr. Apesar de não distar muito, a basílica da torre de marfim estava tomada pela confusão. Os paladinos e clérigos de Tyr ainda tentavam se recuperar da cegueira mágica que os acometia. Ryolith Fox tinha o peito disparado, pois sabia que exatamente o que se passava. Foi uma das primeiras coisas que aprendeu no colégio Azoun II nas aulas do professor Dinair Andradis. Quando se iniciou o Tempo dos Problemas, os deuses foram punidos sendo jogados nesse mundo, presos em corpos mortais. Por não fazer valer a justiça que lhe cabia, Tyr foi punido com a perda da visão, lesão que ele escolheu não regenerar. Todos os servos do Senhor da Justiça sentiram o mesmo efeito por alguns minutos. Ele sentia na pele um dos momentos emblemáticos de sua ordem.
O Lorde Aberto de Águas Profundas, o grande paladino Piegeiron, assim como o sumo-sacerdote de Tyr estavam cegos como os demais, mas tentavam acalmar a todos. Ryolith Fox alertou Ehtur Telcontar, mas eles também silenciaram ante a voz estrondosa que soou na mente de todos e ecoou pelas ruas da metrópole, após a energia cadente celeste e a cegueira divina.
- Eu sou Lorde Ao, guardião perpétuo dos destinos e de suas tábuas, sentenciador dos deuses por suas faltas para com suas obrigações. Todas as divindades de Faerun sentirão o peso de viverem além de seus planos e entre seus seguidores.
A voz estrondosa também surpreendeu Sirius Black e Francisco Xavier, mas não mais do que a mulher que caiu sobre eles como se também viesse dos céus. Eles reconheceram Luna, muito embora desta vez ela tivesse os cabelos brancos como o luar e seus olhos derramassem uma energia branca.
- Selune vive em mim. Eu sou sua arauta, sua avatar. Como foi anunciado, os deuses estão aqui e agora o poder da Senhora vive em mim.
- Como isso é possível, Luna? - Disse Sirius sem nada entender. Mesmo o intelectual Xavier não parecia ter maiores entendimentos sobre tudo o que se passava. Talvez para responder a eles ou a si mesma, a jovem levou-os dali, fazendo-os aparecer de fronte à praça dos principais templos dos deuses. Mas eles, assim como toda a cidade, tiveram suas atenções atraídas para o arco-íris que se ergueu do Templo de Mystra para o céu. Até mesmo os servos de Tyr viam já com clareza o que se dava, percebendo Ryolith que sequer tinha tempo de relatar esses eventos de que já tinha conhecimento.
- Eu sou Mystra, Senhora da Magia e Dama dos Mistérios! Não ficarei enclausurada como um animal pela inconsequência alheia. - No entanto, apesar das palavras da deusa, o arco-íris parou de se expandir em um ponto do céu, onde surgiu uma enorme armadura que empunhava uma espada bastarda junto ao peito.
- Você não pode passar! - Soou a voz mecânica do deus Elmo, o único liberado da punição para vigiar os demais.
- Seu poder é ínfimo ante o meu, Vigilante! - E com essas palavras da deusa que surgiu sobre o extremo do arco-íris de fronte à armadura como uma mulher, as placas de metal desmontaram-se como se quem quer que a sustentasse deixasse de existir. Ryolith quis gritar um alerta, assim como Xavier teve a premonição da hecatombe existencial que se daria a seguir.
Antes que a armadura tombasse no chão, ela retornou ao estado inicial, movendo a espada com celeridade e decapitando a forma da deusa da magia. A mulher explodiu em energia prateada e faiscante, enquanto o arco-íris e Elmo permaneciam pairando sobre a cidade.
- A magia.. a teia mágica.. ela deixou de existir.. - balbuciou Francisco Xavier aturdido. Luna Selune os conduziu ao interior do templo de Tyr, enquanto ela mesma acendeu acima da cidade:
- Não tema povo de Águas Profundas, pois vocês tem a proteção da deusa da lua.  - Uma enorme muralha translucida cobriu a metrópole como se fosse uma muralha de força colossal. Ela espatifou o ponte arco-íris que sumiu, assim como o deus Elmo. Aquilo não poderia ser feito por alguém que não fosse uma deusa, ainda mais sem magia. - Orem pela proteção da lua e para que se afaste a escuridão.
Enquanto Luna Selune falava ao povo da cidade, os deslocados temporais voltaram a se reunir. Sabiam que os eventos pareciam escapar à qualquer controle que tentassem ter. Mesmo assim, Ryolith Fox conseguiu alertar ao Lorde Aberto Piergeiron que dois ataques haveriam contra Águas Profundas, um de Shar e outro de Myrkul, deus dos mortos. Ele sabia também que Tyr estava longe dali e que assim como a magia faltara, faltariam respostas às preces. Seus estudos davam conta de que Tymora aparece em Cormyr, trazendo sorte ao reino. As autoridades se mobilizaram para dar conta de tantos acontecimentos e das profecias, enquanto os heróis resolveram que seria melhor descansarem.
Eles receberam acomodações no Templo de Tyr. Apenas Ehtur Telcontar recusou-as e resolveu partir para a Grande Floresta, pois Ryolith relatou que é onde diziam que Mielikki manifestou-se. O guardião também lembrava-se de comentários de que sua deusa sempre corria no interior das matas mais antigas da floresta mais antiga. Ele deixou Águas Profundas com a benção de Selune, que abriu a passagem na muralha de força. Ele viu aqueles que já se aglomeravam do lado de fora da cidade, desconfiados e desinformados do que se passara.
Mesmo afastado dos outros, o guardião de Miellikki teve o mesmo sonho que seus companheiros. Todos eles sonharam com uma bela mulher ruiva que mudava de forma combatendo o que parecia ser uma maga muito poderosa de cabelos brancos. As duas batalhavam nos céus acima de uma sem número de humanos e gnomos.
Aqueles que permaneceram em Águas Profundas foram despertados de seus sonhos por visitas inesperadas. Assassinos os atacaram. Talvez não fosse a benção enviada por Selune, que mantinha os pensamentos em Sirius todo o tempo, mesmo cuidando da proteção da cidade junto às autoridades e não tivessem tido sorte. Arnoux chegou a ser vitimado, mas tão logo Sirius, Ryolith e Rock eliminaram seus algozes, puderam ir em socorro dos gnomos. Sirius Black reconheceu o símbolo dos Ladrões das Sombras e informou isso aos demais.
Longe dali, Ehtur Telcontar conseguiu dormir por mais tempo na relva, gravando bem o rosto feminino de uma bela elfa verde que lhe trazia uma estranha sensação de dejá vu. Foi quando buscou atravessar as águas fortes do rio Dessaryn, percebendo ser necessário cuidado, que apareceu-lhe uma fada aquática. A pequenina nyx ofereceu ajudá-lo com a travessia em troca de uma paga. O guardião achou graça da proposta, mas antes que pudesse deixá-la de lado, ele e a fada foram atacados por morcegos feitos de trevas. O servo da natureza sobreviveu e os destruiu, mas não antes que sugassem a vida da pequenina fada, que morreu ali em seus braços antes que pudesse ser curada.


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