15 de out. de 2015

Três passos para o fim do mundo...

A deusa dos seres das florestas Mielikki partiu em carga e cravou seu chifre de unicórnio no incomensurável klurichir, ainda brilhando após a ressurreição de seu servo Ehtur. O deus do sol Amaunthor reuniu toda a força positiva que existia em sua essência divina e explodiu como uma hecatombe diurna capaz de expurgar todas e quaisquer trevas. As duas forças primordiais de Abeir-Toril se combinaram numa onda avassaladora que conseguiu exterminar o demônio a serviço de Malkizid, senhor do mal e do caos, desintegrando-o por completo.
- Por mais demônios que vocês destruam, simplesmente não podem vencer. O sol se apagou em Faerun e a esperança sumiu do coração dos seres das mortas florestas. Acabou!!! Lolth venceu. Eu venci!!! Não há sentido em me privar de festejar sobre suas entranhas!!!
Ao fim dessas palavras, que ainda reverberavam por toda a existência do plano, Malkizid se manifestou, enquanto Ehtur Telcontar, Úrsula Suarzineguer, Daphne da Grande Floresta, Sirius Black, John Falkiner, Jacke Line, Yorgói Dossantis e Deborah Pompeios seguiam enfrentando os demônios restantes e suas espadas vorpais como podiam. 
- Esse pode ser o seu plano, esses podem ser seus demônios tudo isso pode ser você, mas hoje não é sua vitória! - Urrou Mielikki investindo contra o deus dos caídos, apenas para desaparecer como num piscar de olhos dele.
- Você é menos que nada! - Malkizid saboreou aquele momento, enquanto a recém-chegada Selune concentrou-se em seu estimado Sirius Black:
- Abra seu coração, meu escolhido... - Disse a Senhora da Esperança se recuperando com as mesmas energias que haviam ressuscitado o ladino. - ...Só assim haverá um caminho para a salvação, pois não há fim sem começos, como não há trevas sem luz.
Dito isso, a deusa da lua usou todo o seu poder não para atacar Malkizid, mas sim para banhar John Falkiner. O clérigo dos deuses élficos sentiu-se inundar por um poder inigualável, maior do que qualquer coisa que já imaginara ou sentira. Por um instante, era como se ele enxergasse infinitos mundos, infinitas eras, infinitas noites, infinitos seres buscando amparo ante o frio da noite.
- Um caminho... - Balbuciou Falkiner ainda aturdido e deixando derramar poder lunar de suas mãos, o que tomou a forma de um portal.
Daphne buscou ganhar tempo assumindo a forma de uma fênix, com êxito dessa vez, e escapando das garras do senhor dos demônios, já que não podia ser agarrada. Ainda assim, incomodado com aquela "mosca", Malkizid aprisionou ela e Jacke na terra de seu mundo, mesmo que a mestra das muitas formas tenha tentado usar os poderes planares de sua forma para escapar dali. Os demais heróis tentaram escapar por ali, mas ainda que houvesse a passagem, ainda não havia o caminho.
- Tolos! - Gargalhou Malkizid agarrando Amaunthor e Selune. - Este é meu mundo! E nem mesmo suas almas escaparão daqui! Vocês serão o meu presente para minha amada Lolth. Com vocês e os outros poucos deuses que restam faremos o sacrifício final para termos não as partes, mas o todo.
- Quanto mais trevas, maior o brilho do sol, fracassado sem honra! - Bradou o deus da luz, mais uma vez reunindo todo o seu poder. No entanto, ao contrário do que pareceu a todos, ele não atacou Malkizid, mas sim desferiu a energia sobre o portal da lua, que somou em si forças que mal algum poderiam conter. O portal mostrou Faerun do outro lado.
- Vamos - disse Ehtur trazendo Úrsula, Yorgói e Deborah. Sirius levou Falkiner como podia.

Todos que cruzaram o portal surgiram no deserto do Anauroch justo quando Malkizid exterminava Amaunthor e pela primeira vez, sem que seu riso ecoasse reverberando neles. Sentiam o doce sabor da liberdade, mesmo que voltando a um mundo moribundo. Os heróis logo reconheceram o maior dos desertos, o grande mar de areia. Eles sabiam que estavam há muitos dias da Grande Floresta, há alguns de Evereska. Mas antes que pudessem pensar mais, John Falkiner caiu de joelhos sobre a areia levando as mãos à cabeça:
- As vozes! As vozes!!!
Enquanto no céu negro sem sol ou estrelas, o tímido risco de uma lua surgiu como a boca triste de um gato, o novo deus da lua ouvia os pedidos desesperados de todos os que buscavam uma esperança contra as incontáveis forças que davam cabo da existência de Faerun. Velhos e crianças, homens e mulheres, animais e plantas, camponeses e reis, milhões eram os que recorriam à senhora da lua, que agora era um senhor. Mesmo tendo sido escolhido da deusa dos elfos, John Falkiner não estava preparado para aquilo.
- Socorro, senhora da lua, a floresta se foi, o mal se alastra...
- Selune, minha mãe, os magos estão invadindo...
- Ó Luna, nos guie contra essas trevas sem fim agora que Amaunthor se foi...
- Selune, senhora da esperança, os drows estão chegando...
- Por favor, Selune, salve meus filhos... os mortos-vivos sem pele...
- Deusa da lua os homens da mão negra levaram todos...
- O grande Lua o veneno dos yuan-ti está matando a todos...
Os pedidos eram tantos e tão misturados, que John Falkiner não conseguia estabelecer uma linha de raciocínio.
- Acho que a razão dele se foi... - Concluiu Úrsula já pensando se não seria melhor dar conta do clérigo.
- Temos que sair daqui... - Ponderou Ehtur. - Temos de ir para Evereska.
Enquanto eles se punham a caminhar, Sirius Black estendeu uma mão amiga e amparou Falkiner. Mais acostumado com as energias lunares, bem como com as trevas inimigas destas, Sirius conseguiu absorver parte daquele poder para si, sentindo-se mais uma vez escolhido da esperança, além de tocar a alma de Falkiner, recebendo parte das vozes e ajudando o aliado a por-se de pé. Isso foi o suficiente para o clérigo recuperar o suficiente de seu raciocínio e teleportá-los. 
Em Evereska, ou melhor, nas ruínas do que um dia fora a bela cidade de Evereska, o guardião Ehtur Telcontar logo viu que os rastros eram de um mês antes. Um novo teleporte os levou até Quíron, o centauro druida do círculo ao qual Daphne pertencera. Ao redor dele, a dor perpétua da mais antiga floresta do mundo dizimada. No centro de tudo isso, o falso mythal expelia negatividade e trevas. Viam por ali outros druidas do círculo como Ferlima e Marcela que nada podiam fazer, pois tinham sorte de estar vivos privados que estavam de seus poderes naquele lugar sem equilíbrio algum
Quando o grupo destemidamente lançou-se contra a esfera de maldade, uma sombra da noite surgiu para defendê-la. Um morto-vivo após o outro, os heróis usaram todo o poder que possuíam, além do amor e da esperança para vingar tantas vidas que iam sendo dilapidadas pelo mal. 
Ao final, exauridos, eles venceram, se é que essa palavra cabia nesses instantes que antecediam o apocalipse. Ehtur Telcontar recuperou o corpo de Alissah, catatônica e quase morta.
- Ela é um espírito de uma floresta que morreu... - Explicou o druida centauro Quírion, que sentia no âmago mais profundo de seu ser toda aquela dor.
- Apenas o seu filho a mantém viva... - Completou Ferlima. - Em pouco tempo ambos vão morrer...
- Nós... Eu... posso salvá-la. Vamos para o meu plano... - Disse Falkiner apoiando-se em Sirius e recobrando algum controle sobre si.

Longe dali, em uma praia, Daphne e Jacke despertaram com as ondas do mar lambendo seus corpos.
- Que lugar é esse? - Pensou Daphne enquanto viu um vulto chegar, que logo revelou-se um estranho gnomo.
O pequenino ajeitou os óculos estranhos e falou:
- O que temos por aqui... Acho que o pessoal não vai acreditar...


Tanto lá, como cá, todos eles, assim que puderam descansar, sentiram em suas mentes a intensidade da visão de mais aqueles sonhos.
Reconheceram Paulo... ou Borracha... Paulo de Morpheus. Ele que se vestia agora como Morpheus, mas também como Lorde Byron. Ele usou seus poderes de viagem planar para deixar o plano material conhecido como Abeir-Toril, do continente de Faerun rumo ao plano do Salão dos Deuses, o Átrio de Ao. .
Todos entendiam que ele cometera um crime. Ele violara uma das regras básicas do jogo. Ninguém entra no plano de um Deus sem ser convidado, mesmo que tivesse poder para isso. E ele agora tinha. Seus poderes de senhor dos sonhos o levavam a qualquer lugar. Era a terceira vez que Morpheus invadia o reino de Lolth, mas a primeira em que o titular não tinha um substituto preparado. Se é que o que Lorde Byron fizera tenha sido realmente prepará-lo.
Quando cruzou a última camada planar, Paulo viu o incomensurável espaço, com assentos iguais e equidistantes de uma tribuna central, um perfeito círculo cujo topo da abóboda culminava numa abertura de onde diziam virem os decretos de Ao.
Byron lhe disse certa vez que o Morpheus anterior lhe disse que houve tempos em que mais de trezentas divindades apertavam-se aqui. Nesse momento, haviam poucas o suficiente para se contar com os dedos da mão. Lá do acento mais alto, podia reconhecer as trevas de Shar, as explosões tempestuosas de Talos, os gritos bélicos de Tempus, os xingamentos tirânicos de Bane, a placidez natural de Silvanus, a doçura fértil de Chauntea e a diplomacia sábia de Oghma.
- Faerun está morrendo... - falava a deusa da agricultura, que parecia velha e cansada, como uma anciã nos seus últimos dias. Mas a chegada dele os interrompeu..
- Mais um julgamento a ser presidido por mim! - Disse Bane subindo na tribuna.
- Sim, Faerun definha, nobre deusa, e junto com ela tudo mais perecerá, plantas, animais, rios e montanhas. Inclusive os deuses. E nós aqui perdendo o tempo que não temos com julgamentos infundados. Pois vejamos ate onde vai a falta de senso deste conselho. Me diga, intempestivo Bane, de que me acusa esse tribunal, legítimo, reitero, muito embora vazio, de Deuses e de senso, pois num universo já desgovernado, que terrível crime cometi para que percamos nosso tempo aqui? Ao que me parece, entrei num templo de uma deusa que não mais cumpre seu papel enquanto divindade no constante trabalho de um universo equilibrado e harmônico, o mesmo faria caso quem estivesse tentando destruir a existência fosse Tyr ou Lathander. O universo precisa permanecer do seu jeito, com cada um dos deuses exercendo o seu papel e olhando pelos seus, num completo equilíbrio e, caso algum desses deuses tente subverter essa balança, sinto que é papel de qualquer agente cósmico contrabalancear as atitudes desse deus, sendo assim não vejo crime algum cometido. E você nobre tirano, com que bases me acusa?
- Não é sua hora de falar, verme! - Urrou Bane golpeando com o punho. - Este é um tribunal dos deuses!
Mas a gargalhada de trovão de Talos silenciou o pretenso juiz: 
- Um tribunal ou um clubinho? Eu não sei porque ainda aguentamos essa merda fétida! A destruição é iminente e eu não vou ficar assistindo esse teatro enquanto tudo com que sonhei está acontecendo...
- Lorde Talos, bem sabe que és uma força do equilíbrio... Um dos deuses naturais... - interviu diplomaticamente Oghma.
- Não venha me encher o saco, bardo de merda!!! - Bradou Talos fazendo um vulcão de lama explodir sob o deus do conhecimento, mas Oghma sabiamente já mudara de lugar.
- Não é permitido atacar ninguém nessa assembléia, Talos! - Urrou Bane golpeando com sua manopla.
- Diga isso a Rhange Hesysthance, juiz negro - alfinetou Shar.
- A guerra está em todo lugar... - O deus da guerra Tempus sacou uma espada e um machado, cada qual mais ensanguentado que o outro. 
Raízes brotaram do chão e envolveram Tempus e Talos, enraizando-os ao chão.
- Ninguém de nós está aqui por ser nada além daquilo que representa - Falou Silvanus lentamente na sua forma de imensa árvore. - Não lhes interessasse essa assembleia e não teriam comparecido. 
- Mas até mesmo vocês três, forças do caos, sabem a ameaça da senhora das aranhas. Sabem que ela e seu consorte abissal estão prestes a fazer o que deveria ser serviço de vocês. Vocês surgiram para destruir esse mundo e não ela. E isso vocês não podem aceitar, não é mesmo? - Oghma surgiu ao lado de Silvanus.
- Isso não é o que importa! Temos de punir esse cretino e depois esmagar a aranha! - Urrou Bane golpeando com sua manopla.
- Por duas vezes nós condenamos Morpheus por invadir o reino dela.. - Falou com doçura Chauntea. - Duas vezes Tyr agiu com justiça e o condenou. Mas isso é justo em tempos como esse?
- Eu me proponho a defender Morpheus... - Adiantou-se Oghma.
- Você aceita seu defensor, bandido? - Indagou Bane derramando chamas verdes pelos olhos.
- E quem melhor para provar minha óbvia inocência? Por favor Oghma, o sábio, explique a esses impacientes deuses sob que, inevitáveis condições, minhas ações aconteceram...
- Antes de mais nada... - Adiantou-se Oghma com um gracejo que conseguiu prender a atenção de todos e fazer Morpheus sentir-se tranquilo de que ele convenceria os demais. - Ao contrário das vezes anteriores, não temos entre nós uma vítima, não é mesmo? Onde está a ofendida deusa que merece ser defendida da ousadia resgatadora do senhor dos sonhos?
- Não é preciso haver a presença da vítima, mas apenas que um dos deuses grandiosos acate sua acusação! - Urrou Bane intervindo e colocando as regras no lugar.
- Esse é meu segundo ponto.. - Retomou a palavra o deus do conhecimento como se já esperasse por aquelas palavras. - Nenhum de nós aqui é porta-voz de tal acusação, não é mesmo?
Houve um instante de silêncio.
- Nenhum de vocês levanta questão? - Irritou-se Bane golpeando com sua manopla negra. - Pois eu o acusaria...
- Se não estivesse presidindo essa seção, não é mesmo senhor da tirania? - Oghma sorriu e fez uma reverência. - Encerro meu caso...
- É isso? O verme está livre? - Gargalhou Talos fazendo as raízes que o continham congelarem ao mesmo tempo que Tempus arrebentou as suas com sua imensa força.
- Se estou livre, só esse conselho pode dizer nobre deus, mas se vocês me permitissem, gostaria de expressar alguns sentimentos em formas de palavras sobre a atual situação de Faerun. Tenho a permissão de vocês para um breve discurso?
- Devaneios... - soou a voz de uma mulher em uma forma arcaica de elfo. - Delírios... - E todos viram que estavam presos a fios de uma teia tão fina que era imperceptível a menos que concentrassem toda sua atenção nela. - Quimeras... É tudo que ele tem a dizer... - Lolth surgiu com seu corpo de aranha e seu dorso de drow.
- Você ousa nos prender? - Enfureceu-se Shar que deixou de ser a mulher de trevas que viam e passou a ser uma névoa negra que se movia entre os fios da teia. - Suas pequenas tramoias deixaram-na ousada demais, pequena Lolth. Eu irei destruí-la e absorvê-la como fiz com todos os que tentaram tomar meu papel...
- Você veio fazer sua acusação? - Disse Bane com satisfação, mas ao perceber que não podia golpear com sua manopla, pois também estava contido pela teia, o tom dele tornou a ser enfurecido. - Como ousa?!? Como tribuno dessa seção nada pode me conter ou atacar!
- Esse tribunal não é nada... Vocês não passam de fantasmas de seus antigos eus... O mundo que vocês representam será meu melhor sacrifício. Mas você... - E ela sorriu olhando Paulo de Morpheus. - Para você tenho planos especiais...
- Não temos medo de você! - Respondeu Chauntea lutando contra a teia e se enrolando mais nela como uma mosca assustada.
- As sementes sempre irão germinar! - Limitou-se a dizer Silvanus impassível.
Talos tentava queimar, congelar, dissolver, eletrocutar e estuporar as teias apenas para se ver preso nelas de novo, da mesma forma que Tempus, que as cortava para ser pego nos fios soltos que iam formando um casulo. Apenas Oghma observava em silêncio.
- Eu sou a Senhora do Caos... - sibilou Shar, que embora solta, não parecia conseguir avançar devido ao movimento constante da teia.
- Você não é nada!!! - Disse Lolth vindo até Morpheus e pegando-o com uma de suas patas de aranha imensa.
- Argh!!! Ardilosa!!! Há muito eu avisei este conselho e enquanto perdíamos nosso tempo, ela preparava um ataque...
Morpheus era o senhor dos sonhos e não conhecia fronteiras. Ele era uma entidade cuja existência se abria para todos os planos. Mesmo ali, o salão dos deuses de Faerun não era mais do que um plano. Um grão de areia no deserto planar. Uma gota no oceano da existência. Com isso, ele deixou a materialidade daquele lugar tão logo desejou escapar. Ao contrário dos demais, ele não estava preso àquele lugar ou àquelas teias de magia de sacrifícios. Nem mesmo ao toque da deusa Lolth, senhora suprema de Faerun. Paulo de Morpheus surgiu novamente no salão dos deuses, à frente de Bane. Podia se mover, mas enquanto fosse julgado sabia que sempre seria mandado de volta para lá. Regras.
A atenção de Lolth, no entanto, não se perdera dele. E isso bastou para Shar conseguir cobri-la com uma escuridão total. Foi como se parte daquele lugar deixasse de existir, retornando ao nada que antecede o existir. 
- Está feito... -Disse Shar com satisfação na mente de todos, mesmo que as teias perdurassem. - Agora quanto a todos vocês...
- Calada!!! Voce é apenas um lado da balança deusa da escuridão, e saiba, não é nem nunca foi o lado mais forte... - Bradou Morpheus.
A escuridão que era Shar voltou a falar, mas dessa vez foi a voz de Lolth que se fez ouvir:
- Você crê mesmo que eu esteja ainda ao alcance de sua entropia, Shar. Você foi a primeira, mas não será a última... - As trevas que eram a senhora da escuridão se adensaram e uma vez mais Lolth estava lá. Nada restara de Shar.
- Não é possível... - Talos não conseguia disfarçar toda a sua surpresa.
- Shar não pode ser destruída! - Decretou Bane. - Ela irá retornar! Ela sempre retorna!
- E se não houver para onde retornar, juiz negro? - Desafiou-o Lolth. Paulo percebeu que as teias que prendiam os demais pareciam apertá-los agora, sugá-los e enfraquecê-los. Chauntea tombou desacordada, estava enrugada como uma velha anciã, murcha como uma ameixa seca.
- Se você matá-la, eu irei... - começou a falar Silvanus, mas ele mesmo entendeu que seria apenas uma bravata.
- Ela vai matar todos nós... - disse Tempus conformado. - Ela venceu a guerra...
- Quanto a você, pequeno verme sonhador... - Mais uma vez a senhora das aranhas se dirigiu para Morpheus. - Você não terá a mesma sorte dessas pálidas sombras que sumirão com essa rocha insignificante chamada Faerun. Você irá sofrer de maneira especial, você sofrerá como eu sofri por tanto tempo!
Antes, no entanto, que ela o alcançasse, Paulo de Morpheus usou de seus poderes para sumir dali. Mais uma vez ele foi devolvido ao plano em que era julgado, mas apareceu atrás de Lolth. Ele sacou sua espada curta, que recebera a energia luminosa do Cetro de Lathander, quando ele e Byron escaparam dos yuan-ti nas Selvas de Chult, e deu um ataque surpresa nas costas da deusa. A lâmina encontrou resistência, mas a luz solar que se seguiu fustigou a carne, enquanto o corpo aracnídeo de Lolth se contorceu desesperado.
Isso pareceu enfraquecer as teias. Silvanus conseguiu rebentá-las e tomar Chauntea em seus galhos. Talos se libertou mas exitou. Tempus, pelo contrário, ergueu seu machado com as duas mãos e avançou em carga, decepando a cabeça dela, que rolou no chão derramando um sangue verde gosmento como o que cobria a lâmina de Morpheus.
- Ainda temos um julgamento pra acontecer? - Perguntou Morpheus em tom desafiador.
Bane ajeitou as manoplas negras nos punhos:
- Creio que..
- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!! - A gargalhada sinistra da cabeça decepada de Lolth silenciou o juiz negro dos deuses que restavam em Faerun. - Vocês não podem me deter, verm...
Tempus pisou sobre a cabeça esmagando-a como se fosse uma aranha. Isso fez o sangue verde espirrar.
- É inútil! - Pensou Talos. - A destruição total não pode ser detida! - E o deus da destruição explodiu um relâmpago colossal sobre o deus da guerra. Raios secundários atingiram todos os demais. Mas todos ali se mostraram imunes àquela investida. O clarão serviu apenas para que nada mais se visse do corpo monstruoso de Lolth.
- Maniaco desgraçado! Vou adorar fazer isso!! - Tempus partir com suas armas contra Talos.
- Parem com isso!!! - Urrou Bane.
Mas Tempus caiu a meio caminho da carga contorcendo-se como se algo o corroesse por dentro.
- Saiam daqui... - Disse Oghma e Silvanus e Chauntea já não estavam mais lá.
- Ninguém deixa o julgamento! - Urrou Bane furioso e golpeando com a manopla.
- Ninguém... - a voz de Lolth soou no ar como um riso sarcástico...
- Nenhum de nós pode sair, mas existem aqueles que podem saber... - Disse Morpheus sumindo mais uma vez justamente quando o corpo de Tempus começou a se erguer e mover-se de forma aracnídea.
- Ninguém sairá, pois não há para onde sair! - A voz de Lolth saiu da boca de Tempus, justo quando Paulo de Morpheus retornou ao plano dos deuses, ao lado de Bane.
- Eles acharão o livro... o cetro... a pedra... o olho... o cálice... E isso, nem você pode destruir, mas eles podem destruí-la!
Foi então que todo aquele lugar, como uma mandíbula, fechou-se sobre os deuses que restavam de Faerun e sobre Paulo, o último Morpheus.



2 de out. de 2015

Eu, Derdeil


A bela elfa e o sisudo elfo recém surgidos cercavam Kaliandra Boaventura como a uma mãe. Tudo ainda era muito confuso para ela, que trazia em si a essência do feminino élfico e parecendo dominar a percepção dos dois novos seres. A trovadora da espada buscava o nome da deusa dos elfos que lhe escapava como se algo a impedisse de pronunciá-lo. 
Mari'bel sabia que nada ali poderia estar certo estando sob o domínio do deus da magia. A killoren apenas buscava ajuda, um equilíbrio que fosse possível orando aos deuses que sabia cuidariam disso. No entanto, também para a fada era impossível pronunciar os nomes. Então, ela seguia ali ajoelhada na grama da clareira a orar. 
Rufus Lightfoot e Ohterrível voaram dali assim que sentiram o tremor e viram as chamas irromperem ao longe. Subindo acima da clareira, os dois puderam ver o vulcão ao sul que cuspia lava e fazia a terra tremer. O dragão que crescia cada vez mais tinha certeza que haveriam dragões lá, os primeiros dragões desse novo mundo.
- Mas você é o primeiro dragão desse mundo, Azuzu... - Ponderou Rufus sem concordar com a linha de raciocínio de Ohterrível.
Porém, naquele novo mundo, nenhum deles era como Derdeil Óphodda, escolhido de Rhange Hesysthance, o único e verdadeiro deus. Mais do que a magia, agora toda a realidade estava subordinada aos seus desígnios.
- Cada desejo se torna realidade! - Bradou o deus terminando o movimento que conformara o surgimento da cadeia montanhosa do vulcão, que ia se formando da lava que jorrava. - Nós somos os próprios fundamentos da existência de Faerun.
- Eu entendo, mestre. É um poder infindável! - Concordou Derdeil, que para demonstrar que entendera, conjugou o poder fazendo o pequeno corvo familiar, Edgar, crescer, tornar-se um corvo gigante, passando a olhar seu senhor com a expectativa de ter cumprido algo digno.
- Mais, mestre, mais! Torne-me uma águia careca americana!!! - Gritava Edgar intoxicado pelo poder.
A cajadada na face de Derdeil foi a resposta que o lançou ao solo.
- Não tema o poder, Derdeil. Aceite o máximo poder! - Disse Rhange deixando o tecido mágico pulsar com seus desígnios. - Não é hora de brincadeiras pueris, mas sim de ações afirmativas!
O único deus que havia lançou as ondas energéticas sobre os dois elfos que cercavam a elfa-mãe Kaliandra Boaventura, bem como do elfo verde que primeiro chegara. O que era até então verde e esguio metamorfoseou-se no que parecia muito mais uma planta ambulante do que um gracioso elfo. A menina ganhou asas formosas e ares angelicais, bem como o rapaz recebeu chifres, garras e asas demoníacas.
- É disso que estou falando, meu velho - vangloriou-se Rhange satisfeito com suas novas criações, mais condizentes com seu novo mundo. - Faça o que tu queres, pois é tudo da lei. Da sua lei!
Derdeil Óphodda levantou-se mais determinado dessa vez. Ele percebia que não haveriam limites além dos que ele mesmo desejasse impor. Ele fixou os olhos em sua amada Kaliandra e ela sentiu que algo mudara dentro dela. Sua carne teve espasmos como se um espírito maligno a invadisse. Derdeil plantou sua semente no ventre da elfa e ela sentiu seu corpo ser conspurcado. Ela tentou arrancar aquilo de seu ventre com sua espada, mas foi contida pelos elfos, derramando apenas uma parte do seu sangue. Isso fez com que três vezes repetisse um nome com sede de vingança:
- Valquíria. Valquíria. Valquíria!
A trovadora da espada viu uma cisão surgir no espaço-tempo e a guerreira vingadora alada surgir. Além da espada desproporcional, a valquíria buscava o responsável por interromper os caminhos da vingança.
- Suma! - Desejou Derdeil e foi isso o que aconteceu de imediato. Mas por outro caminho a valquíria retornou.
- Sua missão está cumprida, Valquíria! - Ela disse olhando para Kaliandra. - Mas seu espírito não está mais livre!
Enquanto isso, a pequena Mari'bel mesmo sem conseguir pronunciar os nomes divinos que buscava conseguiu harmonizar-se com aquelas forças vitais tão familiares às da Grande Floresta que ela carregara em si. A killoren deixou aquela materialidade que a limitava e mergulhou no próprio espírito daquela mata. Ela sentiu-se a própria deusa daquilo tudo. Por um instante, ela percebeu que também havia necessidade e lugar para o equilíbrio naquele novo mundo e que o equilíbrio sempre achava um caminho.
Mas Rhange Hesysthance a ceifou desse vínculo devolvendo-a ao seu corpo de fada:
- Nada disso, menininha. Que tal você se limitar aos seus limites... - E tendo dito isso, o deus fez dela uma árvore, ali enraizada na clareira.
Primeiro, Mari'bel sentiu-se limitada. Não percebia mais Rhange, Derdeil ou Kaliandra. Não tinha visão ou audição. Porém, logo, pelas folhas e galhos, ela sentiu a proximidade das demais árvores que lhe comunicavam no farfalhar:
- Seja uma árvore.
A killoren resistiu no princípio, pensou ser aquilo mais uma tramoia do maldito deus. preferiu centrar-se em si mesma e concentrar-se de novo. Mas quando o elfo transmutado em ser-planta veio e a abraçou, entregando a ela suas energias, tudo pareceu fazer sentido. Mari'bel percebeu que qualquer que fosse a forma, nada poderia limitá-la, nada além dela mesma, pois tudo agora era uma questão de energia.
Enquanto isso, a Valquíria buscou por Kaliandra, mas Derdeil não permitiu a ela estar naquele plano que lhe pertencia. Se não podia expulsá-la, o poderoso mago usou de seus poderes e finalmente destruiu o que havia de vida nela. Possuída por uma fúria e mesmo com os dois elfos, que insistiam em chamá-la de mamãe tentando contê-la, a trovadora da espada atirou-se sobre a carcaça morta da Valquíria que ela convocara. Esse toque foi o suficiente para despertar o poder de Valquíria em Kaliandra Boaventura. Suas asas irromperam, assim como o poder a contagiou, ainda que seu ventre não parasse de crescer num ritmo sobrenatural.
Já bastante longe dali, Rufus e Ohterrível já avistavam os vultos dos primeiros dragões em meio aos picos dos vulcões. As criaturas gargãnticas pareciam lutar entre si. Haviam vermelhos e dourados. Uma dúzia deles ao que parecia. A batalha parecia sangrenta, enquanto a lava jorrava e as montanhas ainda se formavam.
Mari'bel usou da própria energia, da energia do elfo que recebera e da energia das árvores irmãs que a cercavam para comungar com todo o equilíbrio natural uma vez mais. Ela transformou-se em uma imensa sequoia, bem como tornou-se a alma daquela floresta. Como uma deusa da natureza, ela sentia cada ser vivo ali como um átomo de seu ser, cada espírito como uma fagulha de sua energia, cada respirar como um movimento de troca em sua própria harmonia. Isso foi suficiente para resistir à nova investida do deus Rhange, que já não era mais o único nesse mundo. Isso também expandiu ainda mais a percepção dela, abrindo a passagem pra seres feéricos e naturais que se multiplicaram para povoar a Grande Floresta em expansão.

Para contê-la, o primeiro deus Rhange Hesysthance, que se já não era mais o único, ainda era o maior, criou um cinturão desértico, uma área morta e sem vida que a floresta era incapaz de suplantar e onde a influência da nova deusa era impossível. O deserto era voraz para devorar as árvores, como se o vento que trazia a areia carrega-se a morte. Além disso, espectros sombrios e malignos começaram a vagar dentro da floresta e atacar seus habitantes com drenos de energia vital.
Por sua vez, na clareira que era o coração daquelas matas, Derdeil fez seu poder ser supremo, transformando-se numa chaga, num câncer que devoraria tudo por dentro. Ele arrancou cada madeira de cada árvore que ali havia e transformou-as no alicerce de sua imensa torre, que ocupou todo aquele espaço, tensionando os limites internos da floresta e destruindo inclusive a sequoia que era Mari'bel.
A deusa da natureza não se conformou a isso e brotou novamente a partir das raízes restantes no âmago da terra preta e úmida, irrompendo torre a dentro, enquanto Kaliandra buscava alcançar Derdeil e fazê-lo pagar por brincar não só com seu coração, mas também com seu corpo. Entretanto, a gravidez estava avançada e a barriga pesava demais. O parto se iniciou.
Derdeil Óphodda ergueu Kaliandra suspensa no ar e do ventre da elfa e Valquíria, um casal de bebês surgiu. Uma menina meio-elfa linda, tinha os traços do pai, era forte e robusta. Um menino meio-elfo malformado, fraco e raquítico de traços similares aos da mãe. As lágrimas desciam dos olhos da mãe imobilizada, enquanto as crianças flutuavam em direção ao nefasto pai.
O deus da torre no centro da Grande Floresta alcançou o menino, cujas feições lembravam as da mulher amada, que agora se via livre. Desvencilhando-se, ela correu para a grande árvore próxima e abraçou-a. Do sangue que ela vertia em contato com a casca da sequoia brotaram 42 crianças elfas da natureza, como o primeiro elfo planta que auxiliara Mari'bel. Derdeil não se importou com aquilo. Ele olhou por um instante a face acanhada do bebê, seu próprio filho, e sem titubear o degolou com sua adaga.
- Agora eu terei todo o poder, com o maior dos sacrifícios!!! - Foi o que ele disse enquanto era envolto por uma névoa sombria surgida do nada. A mesma névoa encobriu Kaliandra e Edgar.
Os três se viram juntos e cercados pela névoa. Ali também estava Mari'bel, mais uma vez materializada como uma killoren. As duas mulheres não suportaram aquela situação percebendo que o próprio ar que respiravam naquele lugar era maligno, mesmo que as estranhas brumas impedissem de ver o que mais havia. A torvadora da espada sabia que estavam em outro plano: um plano da pura maldade. 
- Não há outra solução... - Disse Mari'bel com convicção antes de tirar a própria vida.
Elas se mataram na esperança de que isso as arrancasse dali, mas suas almas continuaram presas naquele lugar. Mari'bel levantou-se como uma fantasma e Kaliandra como uma banshee, ambas atormentadas por Derdeil Óphodda, o senhor supremo daquele sinistro lugar. O mago não pode deixar de sentir a perda de sua amada, que parecia que finalmente seria sua, mesmo já não restando nada de vivo nele. 
No afã louco de tê-la de volta, ele conjurou todo o poder e arrancou de suas próprias lágrimas de sangue frio, do corpo de Edgar, da essência de Mari'bel e até mesmo dos confins longínquos da existência, energias residuais do que fora Kaliandra Boaventura para devolver a vida a seu corpo. Porém, ao invés de uma divina ressurreição, deu-se um profano efeito. Isso formou uma nova Kaliandra, um clone apático e sem vida dela, além de arrancar Rufus Lightfoot e trazê-lo para junto deles. O hobbit estava incrédulo, pois tinha acabado de chegar com Ohterrível ao covil dos novos dragões restantes, depois de ver Rhange Hesysthance chegar a um acordo com eles.
Testando os limites de seu poder, Derdeil Óphodda plantou mais uma vez sua semente em Kaliandra, ainda que aquele fosse um corpo morto e animado apenas pelos seus poderes. Enquanto o espírito dela seguia ali dando gritos desesperados e terríveis, o corpo dela tornou-se um morto-vivo, um carniçal. Ao mesmo tempo, uma nova torre surgiu para o lich mago senhor daquele plano. Junto com ele vieram três lacaias submissas a Derdeil, assim como uma floresta foi sendo revelada pelas brumas, onde Mari'bel buscou refúgio. 
Mas as investidas profanas de Derdeil Óphodda ainda não haviam acabado. Ele arrancou o feto natimorto do ventre da carniçal que fora Kaliandra e o plantou no ventre de uma de suas lacaias. Ali selado, um novo desenvolvimento o aguardava.
Enquanto o tormento rebuscado de horror prosseguia, Rufus vagou pela torre desesperado e torcendo encontrar talvez uma passagem para outro plano. Acabou encontrando um estranho aposento repleto de estátuas, várias delas familiares, todas elas pessoas ligadas a Derdeil. Mas o mago lich o expulsou do que parecia ser sua mente arrancando-o pelo próprio nariz. 
Enquanto Kaliandra lutou para recuperar seu corpo, apenas para sentir as dores de morrer novamente, o homem que ela amara um dia seguiu criando uma lagoa de sangue no centro da torre, de onde suas lacaias iam beber, ao mesmo tempo que Edgar reivindicava uma morada para si, um Ravenloft. E tudo isso enquanto as brumas se expandiam e iam revelando cada vez mais, um novo mundo de onde não havia como escapar...