Os salões da justiça do templo de Tyr não pareciam seguros para eles agora e Sirius sentia-se impelido a estar com sua amada Selune. Percebendo que suas vidas estavam ameaçadas ali, os deslocados temporais resolveram que era hora de tomar as rédeas da situação. Eles deixaram a basílica em direção ao palácio do lorde público Piergeiron pela extensa avenida que os unia. Não perderam tempo em se lançar às ruas de Águas Profundas ainda com a noite a cobrir o céu. Apesar de a madrugada já estar findando, a escuridão era densa e não se viam estrelas ou a lua devido à muralha de força protetora que fora erguida para proteger a cidade agora que a magia faltara.
Eles viram algumas patrulhas da guarda da cidade tomando o rumo leste do mercado e outra descendo pela rua do bazar, mas não parecia haver ninguém mais que se aventurasse pelas ruas àquela hora. Desceram com pressa a avenida da seda em direção ao palácio, mas acabaram novamente atacados antes de lá chegar. Um grupo ainda maior de Ladrões das Sombras surgiu e os emboscou. Rapidamente, com sua tática covarde e cruel, foram derrubando os heróis um a um. Úrsula conseguiu se manter escondida e `a salvo, mas os bandidos pareciam fazer questão de todos eles e não desistiam de procurá-la, o que a impedia de se aproximar e tentar curar os feridos.
Para sorte da gnoma, ela viu surgir alguém subindo a rua perpendicular. Era um barulhento homem em uma armadura completa. Ele parecia perdido e não ter avistado todo o problema. Ela pegou seu arco e disparou uma flecha por sobre os ladrões das sombras, que passou raspando no sujeito.
Sem demora, o sujeito invocou magia e passou a atacar os inimigos. Úrsula, então, aproveitou para recolher duas poções de criminosos que eles haviam conseguido derrubar e usou-as para curar Rock dos Lobos e Ryolith Fox. Dois dos bandidos fugiram, enquanto os outros novamente tombaram ante a força deles. Recolheram o que puderam e o recém-chegado, que identificou-se como John Falkiner, usou suas últimas preces para erguer os demais.
- Onde estamos? - perguntou o humano após curar Sirius Black. O ladino porém concentrou-se mais em apalpar o corpo em busca de suas adagas e seu dinheiro.
- Onde estão minhas coisas?
- Estamos em Águas Profundas, clérigo. - Interviu o paladino. - Eu sou Ryolith Fox, paladino de Tyr.
- Acho que os ladrões também afanaram suas coisas, Sirius - sorriu o gnomo Arnoux ajudando o humano a se levantar.
- Águas Profundas? Eu não devia estar aqui ainda... que dia é hoje? - O servo dos deuses ficava mais confuso, pois percebia a boa índole do servo de Tyr, mas percebia que havia algo de errado.
- Melhor perguntar que ano é esse.. - riu Sirius.
- Como assim?
- Em que ano acha que estamos? - Indagou Francisco Xavier.
- 1353...
- 1348! - Respondeu Ryolith com um certo desalento na voz. - Estamos perdidos no tempo.. no tempo dos problemas...
- Isso não faz sentido... essa é a época em que os deuses tombaram. O senhor dos mortos Kelemvor..
- O deus da morte é Cyric.. ele ascendeu após a queda de Myrkul... -- interviu Ryolith reparando no símbolo sagrado de Falkiner, que possuia uma balança da justiça como o de Tyr, mas mantida pela mão esquelética da morte.
- Kelemvor é o deus da morte agora.. quero dizer, em meu tempo.. ele derrotou Cyric e trata a morte com honra e tradição que merece. Combatemos os mortos-vivos e cuidamos dos vivos. Meu senhor Azrael e minha estimada senhora Isabeau Sulivan comandam essa mudança.
- De onde você vem?
- De Soubar...
- Eu sou de Suzail em Cormyr. Este ladino chama-se Sirius Black e é dessa cidade, mas nenhum de nós pertence à essa época. Todos viemos do futuro e...
- Nós não - interviu Arnoux. - Nós viemos do passado. De 1343 nos anos dos humanos...
- O que estão discutindo? - Perguntou Úrsula na língua dos gnomos, já que não falava chondathan.
- Tempo.. blablá.. deuses.. o de sempre, querida.
- E o que pretendem fazer?
- Estamos indo para o palácio do Lorde Público da cidade. A deusa Selune que protege Águas Profundas de um iminente ataque de Shar ou de Myrkul está lá.
- Não deviamos mencionar tais deuses.. - alertou Falkiner. - Sempre tive a estranha sensação que basta citá-los para que nos escutem.
- Eu disse para chamá-la de Prostituta de Satã.. - acrescentou Srius.
- Estão tentando nos matar.. - acrescentou Xavier.
- É melhor nos apressarmos...
Já feridos e com a maior parte de suas forças exauridas, eles tornaram a avançar, agora com mais cautela rumo ao palácio. A manhã já começava a deixar o céu mais claro, mas as sombras da cidade ainda eram densas. Eles conseguiram avançar apenas um quarteirão antes que duas sombras mortas-vivas surgissem diante deles. John Falkiner não temeu o fato de Kelemvor não ser deus naquela suposta época em que se encontrava, ele tomou o símbolo sagrado entre seus dedos e invocou a pura bondade positiva que transbordava de sua fé. Isso foi demais para as criaturas imateriais, que fugiram mais rápido do que haviam aparecido.
Um instante, no entanto, bastou para que outras emergissem do chão. Eram seis, que além de atravessar o chão, atravessaram escudos, armaduras e carne, drenando a força dos músculos dos heróis. Úrsula, Arnoux, Sirius e Rock tentavam em vão acertar as sombras, pois suas lâminas e setas atravessavam-nas como se não existissem. Ryolith teve mais sorte, mas também perdera parte da força. Xavier usou um dos misseis mágicos que possuía, mas isso não foi capaz de destruir nenhuma das criaturas. John Falkiner tentou novamente esconjurá-las, mas seu poder não foi suficiente dessa vez.
Os monstros insistiram e já estavam para terminar de sugá-los , fazendo deles novos mortos-vivos incorpóreos, quando uma combinação de ataques fortuitos e um último esforço de Falkiner dessem conta das sombras. Os heróis cambalearam como puderam, tendo inclusive Sirius de carregar Falkiner e Úrsula de levar Xavier. Junto com os primeiros raios pálidos de sol da manhã, eles encontraram um grupo da guarda que os socorreu ao perceber a gravidade do estado deles.
A clériga usou uma restauração leve em Ryolith Fox e isso permitiu a eles seguirem escoltados até o palácio. Ao chegarem lá, no entanto, viram que haviam problemas maiores, pois era como se os mortos já se levantassem dos túmulos. Sombras, espectros e aparições atacavam as guarnições que defendiam o palácio como podiam. Embora fossem cerca de duas dezenas, espalhavam terror e caos entre as defesas. Os guardas escolheram deixá-los e seguir para a defesa do palácio. Foi quando ouviram alguém chamar.
- Vocês podem vir por aqui - disse a jovem de ar tímido na esquina.
- Eu conheço você.. - disse Sirius se aproximando - É a garota do orfanato... Kiriani, não é isso?
- Não... Roberta...
- Ah.. tá.. bom.. você tá meio longe do orfanato e nós temos que ir falar com Selune..
- Vocês podem vir por aqui. Eu conheço uma passagem para dentro do palácio. É pelos esgotos.
- Como uma garota como você sabe disso? - Desconfiou Falkiner.
- Eu fugi de lá por ela. Luna me levou para lá.. ela não é a mesma.. eu não confio nela.. eu vi você falando com o menino lá no orfanato e achei que pudesse ser alguém capaz de ajudar. Ver você aqui agora só pode ser um sinal. Se querem entrar, eu guio vocês.
Roberta os levou até a área entre o palácio e os muros baixos que marcavam os pés do Monte Águas Profundas, a montanha sob a qual existia a famosa Masmorra Sob a Montanha. Normalmente não chegariam até ali sem serem parados, mas a guarda estava toda concentrada na frente do palácio. Ali ela mostrou a tampa de esgoto já semi aberta, que Ryolith terminou de empurrar. Desceram e seguiram em direção ao palácio.
- Acho que estamos ligados.. você deve salvar Luna...
- Olha menina.. Luna agora está encarnada pela deusa Selune.. ela vai salvar toda a cidade - explicou o ladino com impaciência sentindo um estranho receio.
- Luna não está mais lá e eu não confio em quem está...
- Por quê? - Quis saber o paladino.
- Eu cresci no orfanato.. Luna me salvou.. me criou.. me deu um lar. Sempre foi uma pessoa boa e amorosa comigo. Quem está dentro dela não tem esse mesmo amor.. o mesmo carinho. Desde que ela chegou tudo mudou.
- Esses tempos são de confusão, Roberta - explicou Ryolith com toda a calma, entendendo que a garota passava pelas confusões da puberdade. - Luna está ocupada em tomar conta de todos agora por ser Selune, mas tenho certeza que não se esqueceu de você, tanto que a trouxe para cá. Eu irei protegê-la, enquanto isso...
- Obrigada, moço.
- Isso, menina, ande atrás do paladino.. - disse Sirius afastando-se um metro e meio.
Eles saíram em um deposito repleto de barris, caixotes e sacos de grãos. Dali, chegavam os ecos da movimentação dos protetores do palácio. Chegaram até o pátio central e puderam ver que as sombras, espectros e aparições também emergiam dentro do castelo e muitos eram os soldados que tombavam totalmente drenados pelos mortos-vivos e dando lugar a novas criaturas.
Ryolith Fox não perdeu tempo e partiu como podia contra os inimigos. Úrsula se escondeu e Arnoux avançou um pouco para protegê-la. Falkiner invocou suas forças de postividade pura. Rock e Xavier cambalearam como podiam, enquanto Sirius clamou por Selune.
Todos viram a deusa encarnada em Luna surgir no centro do pátio voando a dez metros do chão. Ela brilhava como a lua cheia que já começa a findar. Seu olhar era terno e pareciam procurar por seu estimado Sirius Black. Com um pensamento, junto com os primeiros raios da manhã que superavam a muralha e invadiam o pátio, ela explodiu em luz quente e positiva do sol. Todos os mortos-vivos, mesmo aqueles que atormentavam a fachada do palácio foram destruídos imediatamente, enquanto todos os feridos foram curados, os enfraquecidos restaurados e os mortos consagrados para não terem seus espíritos profanados. Com um leve giro no ar, a deusa pousou no chão e dirigiu-se aos heróis:
- Que bom que estão aqui, meus caros.. principalmente você, Sirius. E Roberta.. o que faz aqui.. você devia estar em seu quarto...
- Eu fugi... eu.. eu não confiava em você.. eu queria a Luna de volta... - choramingou a garota.
- Não se preocupe, minha querida. Ficará tudo bem, eu prometo que você não vai mais sofrer.. com o tempo você entenderá tudo. - Aquelas palavras de conforto pareceram ter um grande sucesso, pois imediatamente a feição de Roberta mudou e ela pareceu não só conformada, como amigável e receptiva. Ryolith Fox, no entanto, foi o único a não achar aquilo natural. Enquanto Sirius se aproximou e se postou de joelhos diante da deusa, Ryolith preferiu falar:
- Senhora Selune, me perdoe a intromissão, mas creio que seja urgente que falemos com o Lorde Público. Além de termos sido novamente atacados por Ladrões das Sombras, essas sombras mortas-vivas e esses outros mortos-vivos são um sinal de que os ataques da Prosti.. da deusa do mal.. estão começando..
- Isso também pode ser obra do Senhor da Morte, já que eram todos mortos-vivos. Seja como for, é preciso que todos orem para mim para que possam restaurar seus poderes...
- Você está em todas as minhas palavras.. - derreteu-se Sirius.
- Com os outros deuses distantes, é preciso que voltem-se para mim para terem seus poderes e possamos dar conta dessa terrível ameaça. Vocês precisam descansar, se alimentar e recuperar suas forças. Eu preciso levar a palavra da salvação aos templos e fiéis, pois as ruas não são seguras mesmo com minha muralha.
Eles concordaram e Ryolith teve o cuidado de levar Roberta com ele. Sirius demorou-se:
- Pensei que pudessemos ter um particular...
- Vá descansar, meu amado. Logo estarei com você de uma forma que você nunca concebeu, meu querido. Deixei um presentinho nos seus aposentos.. - e assim ela sumiu, se desfazendo no ar.
Enquanto a guarda se movimentava e a criadagem tentava trazer de volta a normalidade ao palácio de Piergeiron, os heróis foram levados para boa acomodações. Rock protestou contra o risco de uma vez mais serem atacados dormindo sozinho e acabou se acomodando junto com o casal de gnomos. Ryolth Fox e John Falkiner, ao se recolherem, preferiram dedicar as suas orações a Tyr e Kelemvor, respectivamente, Xavier, por sua vez, orou para Oghma, mas também para a deusa da lua. Sirius, por sua vez, deparou-se com alguém sob os lençóis de sua cama.
- Ei, eu conheço você...
- Sou Kiriani, senhor.. - disse a jovem nua sob os lençóis. - Eu fui mandada para servi-lo.
- Bem.. você... não me serve.. melhor sair daqui. Eu tenho que.. que.. que tomar um banho.. - Sirius disse começando a tirar a roupa e dirigindo-se para a grande tina cheia de água no canto oposto do aposento.
- Eu não sou boa para o senhor? - Kiriani levantou-se deixando cair o lençol. - Selune ficará decepcionada comigo...
- Não é isso, eu esperava por Ela.. - ele terminou de se despir, mantendo-se de costas pra ela, mesmo que seus olhos espiassem mantendo-a na periferia de sua visão, e entrou na água. - Não tenho nada a tratar com você.. é apenas isso.. prefiro esperar pela... - as palavras dele foram interrompidas pelas mãos dela, que se debruçou acariciando-lhe o peito. Isso bastou para Sirius tomá-la nos braços e derramar a água da banheira.
Durante as oito horas seguintes, o grupo descansou e se recuperou com a boa comida, as camas confortáveis, os pequenos altares particulares de que dispunham. Quando despertaram, todos tinham tido novamente o mesmo sonho, quase uma continuação do anterior, onde a mulher ruiva transformou-se em um grande hipogrifo e carregava uma elfa verde, um humano e um bando de gnomos para uma floresta. Reuniram-se e resolveram ir ter com o Lorde. Xavier estavam particularmente preocupados, pois suas magias arcanas, ao contrário dos poderes divinos do clérigo e do paladino, não haviam retornado
Na entrada da ala particular do governante, no entanto, foram detidos pelos guardas. Foram informados de que o Lorde Público estava reunido com os 19 Lordes Secretos da cidade e que quando tudo acabasse seriam chamados em seus quartos. Retornaram e todos resolveram por ali ficar. Úrsula e Arnoux curiosos sobre uma assembléia tão importante, escalaram pelo interior da chaminé do quarto e chegaram ao telhado. Eles avaliaram a distância e encontraram a chaminé que corresponderia ao salão do Lorde Piergeiron. Desceram em silêncio e escondidos até conseguirem ouvir o que se discutia lá dentro.
- ... mas é inaceitável que obriguemos todos a rezar apenas para uma deusa. - disse uma voz masculina.
- Os tempos são outros, caro Lorde. - Arnoux reconheceu a voz de Piergeiron. - Deuses estão morrendo em nossa cidade!
- Ainda assim, Lorde Público. É inaceitável que obriguemos todo o povo da cidade a rezar apenas para Selune. - disse uma voz feminina.
- Talvez vossas excelências estejam me entendendo errado, milady. O objetivo dessa reunião não é decidir se isso será feito, mas apenas informá-los de que isso SERÁ feito! - O tom de Piergeiron ia se tornando mais firme e alto. - Dois deuses irão invadir Águas Profundas e já estão começando a fazê-lo! Eu irei proteger essa cidade, nem que tenha que decretar lei marcial!!! - Seguiu-se o barulho de um murro sobre a mesa e os burburinhos escandalizados dos demais, fazendo o casal de gnomos perceber que era hora de sair dali. Eles correram de volta para o quarto e ainda sujos de fuligem foram alertar os colegas, quando justamente chegavam os guardas para convocá-los à presença do Lorde Público Piergeiron.